Autorregulação, couraças, pulsação e respiração: o que têm em comum?

O que é importante sabermos?

Em alguns de nossos artigos anteriores, citei Wilhelm Reich, médico e cientista, e os conceitos acima, elementos fundamentais da sua teoria da unicidade soma-psique (corpo-mente). Esta é a primeira relação que une estes elementos que vamos aprofundar um pouco mais neste artigo, pois são muito significativos para todos nós, incluindo nossas crianças, que são o foco deste blog. São conceitos essenciais também para entendermos nosso fluxo de bioenergia que, se equilibrado, permite maior vitalidade e uma vida mais saudável.

Autorregulação e as couraças

Reich considera que todos nós temos uma aptidão natural para administrar nossas necessidades básicas tanto biológicas quanto energéticas: a autorregulação. Este é um mecanismo que permite circulação de energia e cria possibilidades de resposta a múltiplas alterações, permitindo que nosso organismo se adapte às demandas que surgem, gerando modificações corporais necessárias como, por exemplo, o controle da temperatura e da pulsação. Assim, estas alterações atuam como um modo de proteção ao organismo. Para o autor, a autorregulação supõe a existência de uma espécie de competência espontânea, visceral, uma capacidade do próprio organismo, que, se saudável, é um sistema autorregulado. Reich aponta uma relação entre um fluxo natural e espontâneo dessa energia e empecilhos que podem prejudicá-lo no processo educacional da criança seja ele familiar ou escolar.

Quando as necessidades básicas da criança não são atendidas, o que se observa, principalmente na educação autoritária ou com altos níveis de violência física ou psicológica, ocorre o encouraçamento, isto é, a formação de couraças musculares. As couraças têm por finalidade proteger a criança, bloqueando emoções com que ela não consegue lidar como o medo muito intenso. Cria-se como que um escudo de proteção. No entanto, embora a protejam da dor, interferem na expressão espontânea dessa criança, impedindo a livre circulação da energia vital, dificultando o processo autorregulador.

Reich apresenta o conceito de couraça como uma “solução inconsciente” para suprimir o medo e permitir uma expressão que seja aceita socialmente. Por exemplo, a criança chora devido a uma grande frustração, mesmo que justa como não poder usar o celular à mesa. Afinal, todos os amiguinhos estão usando. Chorar é uma reação espontânea e deixá-la chorar seria a solução. Meninos e meninas têm esta reação natural e, na maioria das vezes, vão aos poucos internalizando que o uso do celular tem restrições. Mas se a criança é obrigada a engolir o choro seguidamente à custa de castigos severos, ela acaba buscando se adaptar ao exigido, perdendo o direito de expressar sua frustração também compreensível e segurando este choro pela contração do abdômen e a contenção da respiração.

Quero deixar bem claro que as frustrações fazem parte do processo educacional, o que foi tema dos dois últimos artigos. O que precisa ser evitado são as formas de violência com a criança. Também é importante saber que a criança expressar suas frustrações é saudável, exceto se forem manifestadas com mordidas, socos, chutes ou outras atitudes inaceitáveis. Expressar emoções apropriadamente é uma aprendizagem necessária.

Embora evite um maior sofrimento, como vimos, as couraças interferem no fluxo da energia e na autorregulação. Leonardo Jeber, estudioso da teoria reichiana, enfatiza que “a autorregulação é possibilitada por um entorno acolhedor na organização da aula e no jeito de o educador se vincular e se posicionar diante dos alunos, o que significa também colocar limites, mas nunca com violência”. Chamo a atenção de que esta afirmação é válida também para a relação entre pais e filhos. É muito importante, também, ter clareza de que atitudes permissivas, a total falta de limites, o hábito constante de “passar a mão na cabeça da criança” ou fingir não ver seus erros são atitudes extremamente perniciosas como discutimos anteriormente.

 

Respiração, pulsação e flexibilização das couraças. Como o respirar bem vai se perdendo?

Respirar bem é fundamental para o bom funcionamento do metabolismo humano, porém, as tensões do dia a dia fazem com que a respiração profunda passe a uma respiração curta e superficial. Tentando evitar sensações de angústia e ansiedade, a criança interrompe o ritmo natural da respiração e tensiona o abdômen, tentando se proteger, diminuindo sua capacidade respiratória. Esta atitude é automática e universal. Entretanto esta diminuição da capacidade respiratória contribui para reduzir o fluxo energético, assim como o fluxo da criatividade, da autonomia e da espontaneidade.

Respirar profunda e relaxadamente aumenta o senso de concentração. Também não podemos esquecer que, ao se reequilibrar a respiração, se reequilibra a energia emocional. Através da respiração profunda há aumento da carga energética, o que significa, literalmente, que o corpo ganha mais vida. Reich enfatiza que o oxigênio fornece a energia que move o organismo, logo, quando a respiração é inadequada, o nível de vitalidade do organismo tem uma queda sensível. Respirar é equilibrar a pulsação vital, o que significa equilibrar todo o organismo.

O contínuo estado de contração, de tensão ou o seu oposto, um estado permanente, de lassidão, não são desejáveis, e sim o equilíbrio entre contração e expansão.  Esta pulsação que Reich denomina de homeostase é o que favorece a autorregulação.  A ausência de pulsação representa o encouraçamento. 

Conter a respiração é um mecanismo natural de defesa, uma vez que ela é afetada diretamente pelos estados emocionais. O medo de algo visto como perigoso ou de uma punição gera ansiedade que bloqueia o diafragma. Imagine uma criança que vive com medo de levar uma surra quando o pai chegar em casa. Mesmo que não aconteça, o fato de quem cuida dela repetir o dia todo: “quando seu pai chegar, você vai ver, vai ter castigo”, é o suficiente para que o diafragma seja afetado pela ansiedade quando o carro do pai entra na garagem ou a porta de casa se abre. Também poderia ser a insegurança devido a alguém de quem a criança espera amor que sempre afirma que não gosta mais dela pelos atos cometidos. Serem amados é uma necessidade dos pequenos (Aliás, é uma necessidade de todos nós). Podemos dizer sim que não gostamos do que eles fizeram, que ficamos zangados, mas não que deixamos de amá-los. Há um arsenal de atitudes que geram tensão e se transformam em verdadeiros pesadelos: “O monstro vai levar você embora. Ele tá chegando” ou “Se teimar, o bicho papão vai pegar você. Ouviu o barulho dele? Ele está andando no telhado”. Vale lembrar que nosso cérebro não distingue o que é verdadeiro do que não é, mais uma razão para termos cuidado com o que falamos para a criança.

Essa interferência das emoções na respiração é fácil perceber em nós: a raiva nos faz respirar mais depressa, pois o organismo se prepara para o ataque/defesa; o medo paralisa, então, o diafragma se contrai e a respiração fica contida, bloqueando a ação; os estados de tranquilidade e de relaxamento nos permitem uma respiração mais profunda.

A educação autoritária faz com que o professor se mantenha distante do aluno, por acreditar que os vínculos afetivos interferem negativamente no processo de aprendizagem e tiram sua autoridade (uma grande inverdade). Assim, acabam desconsiderando que, especialmente na primeira infância, o aconchego, a aproximação corporal, o abraço carinhoso, o saber ouvir e acolher são necessidades básicas da criança.

Os estudos reichianos e de seus continuadores como Alexander Lowen, criador da Bioenergética, nos mostram que quando não respiramos de forma apropriada (e poucos de nós o fazem) podemos ser acometidos por sentimentos e sensações de derrota, apatia, de medo, de angústia, de impotência. O baixo fluxo de energia nos torna apáticos, com menor nível de sensibilidade e de atenção. No momento que estamos vivendo, que gera tanta tensão e insegurança, as atividades de respiração devem fazer parte da nossa rotina diária.

Hoje, ficamos por aqui. No próximo post, vamos analisar as orientações da Bioexpressão para equilibrar a autorregulação e flexibilizar as couraças. Seus comentários, sugestões e dúvidas são sempre bem vindos. Preencha o espaço abaixo que responderei assim que possível.

As imagens foram retiradas da web

Grande abraço e até o próximo

 

Se desejar aprofundar em autorregulação sob o enfoque reichiano, leia o texto de Leonardo Jeber em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432006000100005

Meditação: o que dizem as neurociências?

 

Há algum tempo, assisti a um documentário que falava da meditação para crianças em escolas de São Paulo, e fiquei muito animada por ver que algo que defendo há algum tempo com as práticas da Bioexpressão vem sendo considerado com maior frequência. O desenvolvimento equilibrado do corpo, das emoções, dos sentidos e da cognição da criança constitui, como enfatiza Violet Oaklander em seu livro Descobrindo crianças, o embasamento do senso do Eu dos pequenos e este, quando fortalecido, gera condições para que a criança mantenha relações apropriadas com seu meio e com as pessoas com quem convive.

A Bioexpressão tem como um dos seus principais eixos as atividades de centramento, que objetivam estimular uma respiração mais profunda e favorecer o equilíbrio emocional. A respiração consciente, o relaxamento e a meditação criam um senso de concentração e reequilibram as emoções, aumentando a vitalidade do organismo.

Vivemos uma fase de muita ebulição, de uma preocupação enorme com o ter e o fazer, mas de pouco investimento no ser. Uma época em que somos expostos a muitos estímulos externos o que inclui tablets, computadores, celulares e televisão, que exercem um grande poder e fascínio sobre nossos pequenos (e sobre jovens e adultos, também), cujo uso merece ser visto com cuidado para evitar problemas como analisei em artigo anterior.

Experiências de meditação, visualização, relaxamento e respiração conscientes criam novos caminhos neurais, novas sinapses e conectam todo o cérebro, gerando um novo fluxo de informações e compreensão do aqui-agora. No aquietamento necessário para tais experiências, sentimos paz e temos maior clareza do que acontece a nossa volta.

A meditação ativa permite que a criança se entregue ao momento através de movimentos suaves (Foto de Jaqueline Madeira).

Experimentos científicos realizados mostram como a prática da meditação altera as sinapses cerebrais permitindo maior controle do corpo como a redução da pressão arterial, da aceleração cardíaca e da respiração superficial e irregular, oportunizando que emoções descontroladas sejam substituídas por outras mais saudáveis.

Ensinar nossos pequenos a entrarem em contato consigo e se aquietarem por alguns momentos pode ser mais simples do que se pensa. E, na escola, isso pode ocorrer de forma muito natural com o trabalho em grupo, como já acompanhei algumas vezes. Inicialmente, tudo se mostra uma grande brincadeira para os pequenos, que, gradativamente, vão aprendendo a aquietar o corpo e a mente. Isso se aplica à meditação e, também, às atividades de respiração e relaxamento que são excelentes caminhos para o autoequilíbrio.

As atividades de relaxamento e respiração que nos conduzem a um estado meditativo estimulam áreas do cérebro relacionadas à atenção, à memória e ao raciocínio, o que favorece a aprendizagem, assim como a autoconsciência e a autorregulação emocional. Isso se dá através da plasticidade cerebral que tem o poder de transformar o cérebro emocional, criando muitas possibilidades, como observa o cardiologista brasileiro Georg Tuppy, que afirma meditar há mais de dez anos, sentindo os efeitos positivos desta prática e estimulando seus pacientes a realizá-la. Segundo ele, “não estamos presos ao cérebro com o qual nascemos, pois temos a capacidade de direcionar deliberadamente as funções que vão florir e as que vão fenecer, as capacidades morais que vão surgir e as que não vão surgir, as emoções que vão florescer e as que vão ser silenciadas”. Aquela observação que ouvimos muitas vezes de “nasci assim e vou morrer assim”, está longe de ser verdadeira como mostram os estudos das neurociências. Esta é uma desculpa dos que se acomodam e não querem investir em mudanças.

Meditar traz efeitos muito positivos como aquietar a mente, propiciar um sono mais tranquilo, relaxar, diminuir a ansiedade, estimular o funcionamento do sistema imunológico, estimular a criatividade, a imaginação e a autodisciplina, aprender a respirar em momentos de tensão, trabalhar a autoestima positiva. E podemos afirmar que os muito ganhos aqui elencados não são apenas para as crianças, mas para todos que invistam nesse processo.

A criança que passar pela experiência da meditação com regularidade, se tornará um jovem e um adulto com bem mais facilidade de meditar e usufruir os efeitos desta técnica milenar que ganha, a cada dia, maior número de adeptos. Pesquisas na área médica revelam resultados muito positivos, incluindo a melhora de doenças e/ou maior equilíbrio para lidar com elas. No Rio de Janeiro, o INCA – Instituto Nacional do Câncer tem uma experiência maravilhosa no setor pediátrico com sessões de meditação, que ajudam as crianças e seus responsáveis a lidarem com as tensões e dificuldades de enfrentar o tratamento. Também membros da equipe médica  e de enfermagem participam desses momentos de alívio de uma rotina estressante, contribuindo para que se tornem mais empáticos.

Vale enfatizar que a meditação nos ajuda a criar conexões mais equilibradas e saudáveis não só conosco, mas também com o outro, e aumenta a empatia, a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa. Isso facilita que se criem relações em que, independente de raças, crenças religiosas ou culturas, predomine um espírito de solidariedade e fraternidade de que estamos bastante carentes. As práticas meditativas contribuem, por tudo isso, para aumentar a inteligência emocional e a resiliência, a capacidade de lidar com as adversidades e delas se recobrar mais facilmente.

Pequenos movimentos e alongamentos podem dar início ao momento da meditação (Foto de Rosilene Maria da Silva Gaio)

 

Não podemos esquecer que a criança, especialmente na Educação Infantil, ainda não está preparada para ficar períodos mais longos concentrada e que o efeito de uma tentativa de maior tempo de imobilidade não teria êxito. Portanto, devemos oferecer poucos minutinhos que poderão ser aumentados aos poucos, de acordo com a aceitação da criança.

É importante que os pequenos não se sintam forçados a praticar a meditação. Sugiro sempre aos educadores (pais ou professores) que façam deste momento uma atividade lúdica e que, em princípio, seja orientada por eles. Há várias formas de meditar, mas pela minha experiência, a narração de uma história a ser vivenciada pela imaginação, é uma ótima opção, ou seja, temos um processo de visualização ou imagens mentais. O educador deve conduzir a criança com uma pequena história de fácil compreensão, de forma relaxante, com voz suave.

“Feche os olhos e imagine que você está flutuando como um barquinho em um lago muito azul que reflete o céu. (Pausa para que imaginem) Um calorzinho gostoso aquece seu rosto e um ventinho bem suave faz com que você se movimente por este lago. (Pausa) Sinta seu corpo subindo e descendo com o movimento suave das pequenas ondas que se formam, ouça o barulhinho da água, sinta o cheirinho da mata que cerca o lago. (Pausa) Aos poucos, você vai flutuando até a margem e se senta na areia, respira profundamente se espreguiçando.”

Muitas são as possibilidades, e você pode criar pequenas narrativas que façam parte da vivência da(s) criança(s). Podemos pedir que fechem os olhos e usar sons que permaneçam vibrando por um tempo e que devem ser ouvidos até que desapareçam como o de um sino tibetano, um pau de chuva ou a corda de um violão. Isso ajuda muito a concentração dos pequenos. Repita apenas um número de vezes que não cause dispersão.

Há muitas sugestões interessantes que podem ser encontradas na web, mas, como disse antes, você pode criar as possibilidades. Deixe que sua imaginação o ajude nesta tarefa.

 

Fotos de arquivo pessoal de Jaqueline Madeira e Rosilene Maria da Silva Gaio que realizaram  pesquisas nessa área sob minha orientação.

Deixe suas sugestões, perguntas ou comentários, pois eles são importantes para mim; responderei assim que possível. Gostou? Indique para os amigos.

 

 

Relaxar: aprendizagem para a vida inteira

Como analisamos anteriormente, tensões não são “coisas apenas de adulto”.  E, cada vez mais, dois grandes males do nosso século, depressão e ansiedade, invadem também o mundo infantil. Assim como adultos, crianças obtêm ganhos significativos se aprenderem a relaxar. Enrijecimento muscular, dores de cabeça e de barriga, cansaço e irritação são comuns nos pequenos por excesso de tensão. Um comportamento aparentemente irracional ou uma agitação que extrapola o que é esperado da criança pode ser, também, manifestação de tensão física e/ou emocional.

Muitas são as causas como tratamos em artigos anteriores, mas volto a repetir algumas mais comuns: crianças não brincam tanto quanto deveriam, têm agendas com excesso de atividades, vivem mais num mundo adulto do que naquele adequado à sua idade. E, algumas vezes, é simples lidar com as tensões, basta que a elas se contraponham momentos de prazer. Estes podem ser antídotos perfeitos, pois à contração se segue a expansão, o relaxamento.

Propor formas de relaxar na sala de aula é algo que beneficia a todos (educandos e educadores). No campo educacional, o relaxamento visa, sobretudo, à eliminação ou diminuição de contrações musculares inúteis, gerando uma aprendizagem de liberá-las. O relaxamento tem como objetivo um estado de repouso e de calma interior que proporciona uma integração psicossomática e maior equilíbrio diante das exigências da vida atual, incluindo os processos de aprendizagem.

Como enfatizei no último artigo, respirar é uma forma importante de liberar tensões, ansiedade e de relaxar. Mas há outras possibilidades que podem ser mais facilmente utilizadas quando a agitação da criançada está maior, que devem Leninha5anteceder ou podem até mesmo substituir uma atividade que exija mais quietude. Por exemplo, se a turma está voltando do recreio quando correu e se agitou muito, será quase impossível fazê-la ficar parada respirando ou ficar concentrada em outra atividade de relaxamento. Isso vale para nós, adultos, também. Imagine estar no meio da correria, a mil por hora, e dizerem para você: “para e relaxa agora!”. Difícil, não é? Mas se nos envolvemos em uma atividade relaxante e prazerosa, fica bem mais fácil, concorda? Por isso, se quero levar a criança a um estado de relaxamento, propor uma atividade que a envolva e de que goste pode ter um melhor resultado. Isso inclui se quero introduzir um novo conceito que precise ser trabalhado na aula de matemática ou de qualquer outra área com crianças do ensino fundamental ou mesmo da educação infantil.

Utilizar jogos cantados e brincar com sons: estalar a língua, imitar barulhos diversos, emitir chiados e sibilos (estes dois últimos são bem tranquilizadores) são formas de aprofundar a respiração de maneira muito prazerosa. Trabalhar a voz (cantar e emitir sons diversos) gera a possibilidade de relaxar áreas onde se concentra muita tensão: garganta, nuca, maxilar e diafragma (Vale repetir que isso é válido para qualquer idade).

Deixar que cada um crie sons associados a movimentos que serão repetidos pelo grupo traz uma excelente forma de liberar emoções e tensões musculares, além de gerar movimentos não usuais que mexem com partes diferentes do corpo, trabalhando atenção, concentração e ritmo. E é conveniente estimular a criança a fazer um movimento diferente do coleguinha ou mesmo ajudá-la com sugestões (mas sem críticas) se ela tiver dificuldade de fazer algo diferente. Esta atividade também a ajuda a ir percebendo possibilidades de seu corpo, trabalhando sua percepção corporal e sua criatividade.

Estudiosos da música apontam para o fato de que esta pode ser usada como meio de controle, uniformizando e disciplinando movimentos como a marcha, o que historicamente se mostra repetidamente na educação. Lembremo-nos das filas em que as crianças vão cantando: “um atrás do outro que nem gafanhoto…”, em que a intenção é manter a fila organizada. Esta não é minha intenção aqui. Vejo a música como um meio de desenvolver a sensibilidade, a criatividade e possibilitar a vivência do lúdico e do prazer, de trazer momentos de entrega à atividade, contribuindo para liberar tensões e permitir maior conhecimento do próprio corpo.

E há muitas outras maneiras de relaxar e trago alguns exemplos bem simples e que não exigem muito tempo. Músicas de fundo, mais tranquilas, com um volume mais baixo podem ser usadas, se desejado:

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A) Mover o corpo suavemente com a orientação do professor, soltando partes do corpo (vale ressaltar que as articulações guardam bastante tensão);

B) A forma tradicional de relaxamento também pode ser utilizada, com os corpos soltos no chão. Mas aqui tenho uma sugestão que é muito interessante e que facilita tudo para que o corpo brincante da criança se entregue: a visualização criativa. Ela pode imaginar-se como uma pedrinha de gelo que se derrete sob o sol gostoso, um sorvete que derrete na língua, um balão que voa ou uma pipa que faz piruetas pelo céu azul, um barquinho que navega pelas águas calmas da lagoa, e mais tantas imagens que você quiser criar. Este relaxamento ajuda muito nossos pequenos na hora de dormir. E uma dica muito importante: use imagens que façam parte da vida das crianças e que sejam significativas para ela.

A visualização criativa é um processo consciente imaginativo que é usado com uma finalidade específica, e a que proponho, neste momento, é a de relaxar. Ela ativa todos os sentidos do corpo e não apenas as imagens mentais. O número de pesquisas na área médica quanto ao processo de visualização consciente como auxiliar para a cura e o equilíbrio vem aumentando, como aponta o psiquiatra Gerald Epstein, que afirma serem as imagens mentais ou visualização um processo para entrarmos em contato com o nosso interior, de criarmos novas experiências, novas formas de lidar com as diferentes tensões e situações do dia a dia.

C) Deixar que seja usada a massagem entre as crianças.

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Algumas de minhas alunas do Curso de Pedagogia, que já davam aulas durante a graduação, após trabalharmos relaxamento e massagem, os faziam com suas crianças e me contavam muito contentes os resultados positivos que obtinham para conseguir acalmar a criançada e o quanto elas gostavam. Tive, ainda, alguns relatos muito significativos de professoras que trabalhavam na APAE ou mesmo nas escolas regulares com crianças deficientes, que mostravam o quanto estes momentos eram importantes tanto para professores quanto para a criança.

A criatividade pode e deve ser usada livremente. Flexibilidade é, também, uma palavra-chave. Comece com o que lhe parecer mais fácil, “que tenha a sua cara”. O importante é experimentar. E, depois, me conte!!!

No próximo artigo, vamos falar da educação emocional mais especificamente.

As fotos desta postagem são da dissertação de Rosilene Maria da Silva Gaio, por mim orientada.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são bem vindos. Quero muito saber se experimentou e como foi a experiência. Use o espaço do site para isso.

Abraços e até a próxima postagem.

É de criança que se aprende a respirar e relaxar…

…Lidando com as tensões de cada dia.

Estará a criança imune a tanta tensão, correria, insegurança, medo e ansiedade que atingem os adultos nos tempos em que vivemos? Claro que não! Diria até que ela é bastante sensível ao que a cerca. Ela pode estar aparentemente desligada do que ocorre a sua volta quando brinca no chão da sala ou está no banco de trás do carro, mas ouve, sente e capta (não sabemos exatamente de que forma e com que intensidade) as vozes tensas que vêm da TV ou do rádio, comentários angustiados da família, a irritação, o susto, a indignação, a revolta e outras tantas emoções que nos invadem cotidianamente. Todos têm pressa, há muitas urgências, muitos sentimentos novos se mostram à criança, mas ainda não são definidos nem compreendidos por ela, que sequer aprendeu a lhes dar nomes. Lembro-me sempre de uma menininha que vendo o pai muito zangado com uma perda em seu salário, segurou minha mão e perguntou: Ele está zangado comigo, tia? O que foi que eu fiz?

Não vou descrever problemas, todos nós sabemos bem da sua existência. Prefiro apresentar alguns recursos para lidar com os sentimentos “estranhos” e tensões que invadem as crianças em decorrência de situações não tão próximas, mas também de outras que ela pode estar vivenciando em casa ou na escola como a chegada de um novo irmãozinho “que veio roubar a atenção da família”, a separação dos pais, a perda de um ente querido, a troca de escola ou de professora, o afastamento de um amiguinho mais próximo, entre tantas outras possibilidades que geram insegurança e com as quais ela não sabe ainda como lidar. E o primeiro passo é considerar que crianças são afetadas pelo seu entorno e também sentem ansiedade, logo é importante poupá-las daquilo que não lhes cabe ainda assumir.

Em meu livro Bioexpressão – Corpo, movimento e ludicidade. Unindo fios, tecendo relações e propondo possibilidades, analiso a importância de saber lidar com as tensões que fazem parte da vida de todos nós, e, aqui, reproduzirei alguns trechos que acredito poderem ajudar os educadores, sejam professores ou responsáveis pela criança, pois, afinal, dificuldades fazem parte da vida, independe da idade que tenhamos, sejamos alunos, pais ou professores, e, por isso mesmo, é importante aprender a lidar com elas e a evitar ou minimizar seus efeitos sobre nosso corpo e desenvolver nossa resiliência (disso falaremos mais adiante).

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Aprender a relaxar é o primeiro passo, e são muitas as formas de liberar tensões, inclusive na sala de aula. A primeira delas, que vem “saindo de moda” em algumas escolas, infelizmente, é a rodinha de conversa que pode trazer à tona muitas questões que estão angustiando a criança, lhes dando a chance de expressá-las. Questões estas que, muitas vezes, não consegue ainda entender. Uma versão familiar seria um tempo-espaço para conversar com a criança que reunisse os seus membros, ou um momento no parque, ou após contar uma história, ou fazer desenhos. Cada um encontrará uma forma mais adequada de promovê-lo.

Um fator muito importante para facilitar o relaxamento é a respiração e atividades de percepção corporal. A simples observação de como ocorre a respiração, concentrando-se a atenção totalmente nesse processo, no ar que entra e no ar que sai, sem nele interferir, permite um desligamento do mundo exterior, acalmando o corpo e, consequentemente, a própria respiração (e isso vale para nós, adultos!!!). Um ato que deve sempre ser exercitado na hora de dormir, e que pode ser feito através de imagens. Por exemplo: quando inspiro, meu corpo vai ficando brilhante e, quando expiro, tudo que não gosto vai ficando bem distante. Mas vamos, primeiro, entender a importância de saber respirar.

A essa altura, pode ser que você pense: “se não soubesse respirar não estaria mais vivo, todo mundo já nasce sabendo”. A segunda etapa do pensamento está absolutamente correta – todos nascemos sabendo respirar. O problema é que desaprendemos e, por isso, não vivemos tão bem como poderíamos. Não estamos tão vivos quanto possível se considerarmos que vitalidade é energia, e que respirar mal diminui nosso nível energético. Também é absolutamente correto dizer que não vivemos sem respirar, no entanto, como outras circunstâncias fundamentais para a vida, a respiração não é muito considerada. E é por aqui que vou começar, afinal, é assim que se inicia a vida, com aquele choro tão esperado no nascimento, quando a criança respira sozinha.

Nosso primeiro contato com o mundo exterior se dá através da respiração. Sem ar não há vida. Pode-se viver dias sem água e meses sem comida, mas apenas poucos minutos sem ar. Apesar da importância da respiração natural para o bom funcionamento do nosso metabolismo, dificilmente respiramos bem, apresentando a tendência de segurar o fôlego e de respirar superficialmente. A respiração profunda é essencial para o equilíbrio orgânico, emocional e mental, no entanto, as tensões nos condicionam a uma respiração superficial.

A respiração curta é um mecanismo de defesa adquirido na primeira infância. Prendendo a respiração, as crianças encontram uma forma de lutar contra os estados de angústia que sentem no alto abdômen. As sensações agradáveis abdominais ou genitais que lhes causam medo também são reprimidas da mesma forma. Este mecanismo é típico e universal e se mantém na idade adulta.

Conscientizar-se do movimento respiratório é conscientizar-se de si mesmo, é permitir que a energização do organismo se estabeleça de forma mais equilibrada. Se a respiração é reduzida, superficial, absorve-se menos oxigênio, tem-se menos energia. Conter a respiração, o que fazemos instintivamente, parece ser uma proteção, mas, ao fazer isso, nos tornamos ainda mais indefesos, mais vulneráveis. A respiração profunda exerce um efeito bastante positivo em situações de ansiedade que se manifestam comumente em crianças e adolescentes diante de provas ou de situações novas como mudanças de escola, de professores ou de grupo. Existe uma íntima relação entre oxigênio, ansiedade e excitação. Assim, quanto mais excitamento é sentido, mais oxigênio é necessário para sustentá-lo. Respirar profundamente é uma forma de expulsar a ansiedade e permitir que as emoções excitantes e prazerosas surjam através de nosso corpo, e nos proporcionem a sensação de poder e sustentação que necessitamos nessas ocasiões.

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Algumas atividades bastante simples podem ser usadas para trabalhar a respiração da criança. É conveniente que a inspiração se faça sempre pelo nariz (sem forçar) e o ar seja expirado pela boca. Iniciar sempre expirando.

A) Encher os pulmões (sem forçar) e soltar o ar enchendo balões (bexigas) até que o pulmão pareça estar bem vazio. Repetir algumas vezes até que o balão esteja cheio. Podemos brincar com os balões cheios ao final, amarrando o bico; deixar que voem, enquanto o ar sai; ou brincar com o barulho, puxando o bico do balão para os lados. Acho que todos nós já fizemos isso, não é??

B) Usar uma pluma como mostra a imagem acima, inspirando suavemente e soltando o ar soprando de forma a movê-la.

C) Imaginar-se um boneco inflável que fica cheio e grande e soltar o ar, deixando que o boneco murche até ficar bem vazio (imagens abaixo).

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D) Ainda com pluminhas menores, aquelas peninhas coloridas e bem leves, inspirar e expirar soprando de forma que as peninhas possam voar, acompanhando com os olhos o seu movimento.

Com certeza, a sua criatividade lhe dará novas ideias para criar novas imagens.

 

Hoje, ficamos por aqui, continuaremos a pensar possibilidades de relaxamento no nosso próximo encontro, assim como pensar como lidar com as emoções infantis.

 

As fotos desta semana são do Doutorado de minha co-orientanda Jaqueline Madeira, na Universidad de Oviedo, Espanha, que trabalhou com a Bioexpressão para crianças.