Expressão e organização das emoções na ponta dos lápis de cor

Na minha última postagem, um dos pontos enfatizados foi a importância de a criança ir, gradativamente, reconhecendo seus sentimentos, emoções e sensações para que, passo a passo, aprenda a lidar com eles. Bem-estar ou incômodo, medo, raiva, alegria e tristeza, talvez sejam os primeiros a serem identificados. Mas até que isso possa ocorrer e que haja a ampliação dessas identificações e do que as causou, o que é um processo longo, é importante que a criança possa expressar o que sente, mesmo que ainda não saiba nomear o que se passa com ela. E duas formas de expressão muito acessíveis à infância são as brincadeiras de faz de conta, das quais falamos alguns artigos atrás, e os desenhos, dos quais falaremos hoje.casanova

Em primeiro lugar, vale pontuar que desenhos mimeografados que são apenas coloridos pelas crianças, não trazem esta possibilidade expressiva. Pior ainda quando lhes dizem que cores devem usar, podando sua possibilidade de escolha e de autonomia. Também não trazem qualquer possibilidade expressiva desenhos copiados da revista ou do quadro de giz, que direciona o caminho que a criança vai seguir. Para possibilitar a expressão de emoções e sua organização interna, assim como o estímulo à imaginação e à criatividade, os desenhos devem ser escolhidos pela própria criança. Através deles, ela tem a possibilidade de tentar compreender a sua realidade, o que ocorre à sua volta e, também, de mostrar o que sente, o que pensa e o que vive.DSCF0309

Mas desenhar vai muito além, trabalha a corporeidade da criança – cognição, afetividade, motricidade e suas relações com seu mundo. A expressão plástica da criança (desenho, pintura, escultura, …) não tem por finalidade preparar futuros artistas, e também não deve ter como fim agradar os adultos, embora ela possa fazê-lo se desejar, pois desenhar para alguém é um modo de presentear quem recebe tais produções. Estas atividades expressivas promovem o desenvolvimento sensorial, dão vazão à imaginação infantil, estimulam a criatividade, a sensibilidade e a autonomia, pois os pequenos deverão escolher o que desenhar, com que cores e com quais formas. Enfim, estas atividades devem propiciar que a fantasia tenha lugar garantido. A fantasia para a criança não é se enganar, se iludir ou se esconder como o é, muitas vezes, para o adulto, é uma forma de recriar sua realidade, de pensar alternativas, de viver em um mundo que lhe é próprio e necessário.

Uma situação que vivi em uma escola na zona portuária do Rio de Janeiro, em que era supervisora itinerante, há mais de vinte anos atrás, me mostrou claramente o quanto o contato apenas com a dureza do cotidiano pode interferir na capacidade criativa das crianças e o quanto o estímulo à criatividade pode ajudá-las a sair de um círculo aprisionante. Era uma turma de terceiro ano, crianças com nove anos de idade em média, com grandes dificuldades de atenção. Com um pedaço de pano nas mãos, propus que cada um criasse uma história. Já havia feito a proposta a outras crianças de outras escolas e eram mágicas e criativas as ideias que surgiam. O pano se transformava em capa de bruxa ou de um super-herói, em tapete mágico, nas velas de um barco que rumava para terras a serem descobertas ou em embarcações de piratas, em pássaros de outros planetas, em nuvens que vinham à terra para conversar com as crianças.super-heroi Eram muitas as histórias que surgiam e que permitiam a interação com os coleguinhas e comigo, se encadeando e se fundindo umas às outras. Mas na turma em questão, o tecido para as crianças era apenas um pedaço de pano que servia para limpar carros e ganhar uns trocados, diminuir a entrada de água por baixo da porta com temporais, era roupa para ser lavada, flanela pra limpar o chão, passar cera e exemplos afins. Estimulei-os a criar algo diferente, algo que desejassem. De um modo geral, ouvia: “Não sei, tia!” Mas alguns ganhos se mostraram: “Ah! É uma cortina pra não acordar com o sol no olho”; “é pra fazer um vestido pra passear”, “um lençol pra forrar o chão onde durmo”… Esta turma passou por um trabalho conjunto meu e da professora pelos quase sete meses de aula que restavam, e pudemos, ao final do ano letivo, observar resultados muito positivos na expressão, na imaginação, no comportamento, e até nas avaliações e, principalmente, no envolvimento entre as crianças que, no início, brigavam muito entre si. O que foi feito de diferente? Basicamente: mais contações de história, desenhos e brincadeiras,.. e muito carinho, conversa e atenção.

1__89561_zoomOs desenhos (as artes de um modo geral) e as brincadeiras promovem a autoidentificação e a autoexpressão, estimulando o senso de si, de pertencer ao grupo, a autovalorização, tão necessários nesta sociedade conturbada, em que pais e mães precisam se afastar para ganhar seu sustento e/ou oferecer uma melhor qualidade de vida às suas famílias, ficando muito tempo distantes das crianças, que, com muita frequência, ficam sozinhas quando não estão na escola, espaço essencial para novas experiências.

Edith Derdyk, estudiosa do desenho infantil e artista plástica, aponta que a criança, através da expressão gráfica, revela seu modo de compreensão do mundo e o sentimento de como se sente nele, suas necessidades e potencialidades, o que é fundamental para seu desenvolvimento mais equilibrado. O desenho é, entre outros aspectos, diversão e prazer. É um jogo em que ela própria cria as regras, que não exige companheiros, que lhe traz a possibilidade de aprender a estar sozinha (o que posso afirmar ser um caminho para o autoconhecimento). Com seu desenho,  ela estabelece o seu espaço.drawing-614x350

A arte (e o desenho aí se coloca) permite que se trabalhe o pensamento divergente, ou seja, a capacidade de encontrar pensamentos diferenciados, de buscar soluções novas para um determinado problema. É um pensamento que se relaciona mais à criação, à intuição e à imaginação, diferente daquele em há um predomínio da lógica e da racionalidade. O desenvolvimento integral da inteligência necessita que o pensamento divergente seja trabalhado, assim como o pensamento visual e o pensamento simbólico, característicos da expressão visual.

E cabe a nós, pais e professores, estimular e valorizar esta rica linguagem da criança, dando-lhes estímulo, condições materiais (papel, lápis de cor, lápis-cera, …) e o tempo necessário para que o processo de expressão possa ocorrer. Na construção do saber, é importante que consideremos a multiplicidade de fatores que permeiam o processo e a necessidade de quebrar o que está posto de forma cristalizada para que se criem novas possibilidades. A ludicidade e a expressão plástica se mostram, nesse contexto, recursos valiosos para repensar a prática pedagógica e propor transformações, principalmente por se configurarem como atividades criativas e formas próprias de sentir, pensar e agir.

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As fotos das crianças são de Rosilene Maria da Silva Gaio e os desenhos foram tirados da internet.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são muito bem vindos e importantes para mim.

Abraços e até a próxima postagem.

Relaxar: aprendizagem para a vida inteira

Como analisamos anteriormente, tensões não são “coisas apenas de adulto”.  E, cada vez mais, dois grandes males do nosso século, depressão e ansiedade, invadem também o mundo infantil. Assim como adultos, crianças obtêm ganhos significativos se aprenderem a relaxar. Enrijecimento muscular, dores de cabeça e de barriga, cansaço e irritação são comuns nos pequenos por excesso de tensão. Um comportamento aparentemente irracional ou uma agitação que extrapola o que é esperado da criança pode ser, também, manifestação de tensão física e/ou emocional.

Muitas são as causas como tratamos em artigos anteriores, mas volto a repetir algumas mais comuns: crianças não brincam tanto quanto deveriam, têm agendas com excesso de atividades, vivem mais num mundo adulto do que naquele adequado à sua idade. E, algumas vezes, é simples lidar com as tensões, basta que a elas se contraponham momentos de prazer. Estes podem ser antídotos perfeitos, pois à contração se segue a expansão, o relaxamento.

Propor formas de relaxar na sala de aula é algo que beneficia a todos (educandos e educadores). No campo educacional, o relaxamento visa, sobretudo, à eliminação ou diminuição de contrações musculares inúteis, gerando uma aprendizagem de liberá-las. O relaxamento tem como objetivo um estado de repouso e de calma interior que proporciona uma integração psicossomática e maior equilíbrio diante das exigências da vida atual, incluindo os processos de aprendizagem.

Como enfatizei no último artigo, respirar é uma forma importante de liberar tensões, ansiedade e de relaxar. Mas há outras possibilidades que podem ser mais facilmente utilizadas quando a agitação da criançada está maior, que devem Leninha5anteceder ou podem até mesmo substituir uma atividade que exija mais quietude. Por exemplo, se a turma está voltando do recreio quando correu e se agitou muito, será quase impossível fazê-la ficar parada respirando ou ficar concentrada em outra atividade de relaxamento. Isso vale para nós, adultos, também. Imagine estar no meio da correria, a mil por hora, e dizerem para você: “para e relaxa agora!”. Difícil, não é? Mas se nos envolvemos em uma atividade relaxante e prazerosa, fica bem mais fácil, concorda? Por isso, se quero levar a criança a um estado de relaxamento, propor uma atividade que a envolva e de que goste pode ter um melhor resultado. Isso inclui se quero introduzir um novo conceito que precise ser trabalhado na aula de matemática ou de qualquer outra área com crianças do ensino fundamental ou mesmo da educação infantil.

Utilizar jogos cantados e brincar com sons: estalar a língua, imitar barulhos diversos, emitir chiados e sibilos (estes dois últimos são bem tranquilizadores) são formas de aprofundar a respiração de maneira muito prazerosa. Trabalhar a voz (cantar e emitir sons diversos) gera a possibilidade de relaxar áreas onde se concentra muita tensão: garganta, nuca, maxilar e diafragma (Vale repetir que isso é válido para qualquer idade).

Deixar que cada um crie sons associados a movimentos que serão repetidos pelo grupo traz uma excelente forma de liberar emoções e tensões musculares, além de gerar movimentos não usuais que mexem com partes diferentes do corpo, trabalhando atenção, concentração e ritmo. E é conveniente estimular a criança a fazer um movimento diferente do coleguinha ou mesmo ajudá-la com sugestões (mas sem críticas) se ela tiver dificuldade de fazer algo diferente. Esta atividade também a ajuda a ir percebendo possibilidades de seu corpo, trabalhando sua percepção corporal e sua criatividade.

Estudiosos da música apontam para o fato de que esta pode ser usada como meio de controle, uniformizando e disciplinando movimentos como a marcha, o que historicamente se mostra repetidamente na educação. Lembremo-nos das filas em que as crianças vão cantando: “um atrás do outro que nem gafanhoto…”, em que a intenção é manter a fila organizada. Esta não é minha intenção aqui. Vejo a música como um meio de desenvolver a sensibilidade, a criatividade e possibilitar a vivência do lúdico e do prazer, de trazer momentos de entrega à atividade, contribuindo para liberar tensões e permitir maior conhecimento do próprio corpo.

E há muitas outras maneiras de relaxar e trago alguns exemplos bem simples e que não exigem muito tempo. Músicas de fundo, mais tranquilas, com um volume mais baixo podem ser usadas, se desejado:

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A) Mover o corpo suavemente com a orientação do professor, soltando partes do corpo (vale ressaltar que as articulações guardam bastante tensão);

B) A forma tradicional de relaxamento também pode ser utilizada, com os corpos soltos no chão. Mas aqui tenho uma sugestão que é muito interessante e que facilita tudo para que o corpo brincante da criança se entregue: a visualização criativa. Ela pode imaginar-se como uma pedrinha de gelo que se derrete sob o sol gostoso, um sorvete que derrete na língua, um balão que voa ou uma pipa que faz piruetas pelo céu azul, um barquinho que navega pelas águas calmas da lagoa, e mais tantas imagens que você quiser criar. Este relaxamento ajuda muito nossos pequenos na hora de dormir. E uma dica muito importante: use imagens que façam parte da vida das crianças e que sejam significativas para ela.

A visualização criativa é um processo consciente imaginativo que é usado com uma finalidade específica, e a que proponho, neste momento, é a de relaxar. Ela ativa todos os sentidos do corpo e não apenas as imagens mentais. O número de pesquisas na área médica quanto ao processo de visualização consciente como auxiliar para a cura e o equilíbrio vem aumentando, como aponta o psiquiatra Gerald Epstein, que afirma serem as imagens mentais ou visualização um processo para entrarmos em contato com o nosso interior, de criarmos novas experiências, novas formas de lidar com as diferentes tensões e situações do dia a dia.

C) Deixar que seja usada a massagem entre as crianças.

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Algumas de minhas alunas do Curso de Pedagogia, que já davam aulas durante a graduação, após trabalharmos relaxamento e massagem, os faziam com suas crianças e me contavam muito contentes os resultados positivos que obtinham para conseguir acalmar a criançada e o quanto elas gostavam. Tive, ainda, alguns relatos muito significativos de professoras que trabalhavam na APAE ou mesmo nas escolas regulares com crianças deficientes, que mostravam o quanto estes momentos eram importantes tanto para professores quanto para a criança.

A criatividade pode e deve ser usada livremente. Flexibilidade é, também, uma palavra-chave. Comece com o que lhe parecer mais fácil, “que tenha a sua cara”. O importante é experimentar. E, depois, me conte!!!

No próximo artigo, vamos falar da educação emocional mais especificamente.

As fotos desta postagem são da dissertação de Rosilene Maria da Silva Gaio, por mim orientada.

Seus comentários, relatos e sugestões sempre são bem vindos. Quero muito saber se experimentou e como foi a experiência. Use o espaço do site para isso.

Abraços e até a próxima postagem.