Refletindo sobre educação emocional e espiritualidade: algumas relações

Enquanto escrevia o artigo anterior, cujo foco era a meditação, fui observando relações significativas entre corporeidade, educação emocional, meditação e espiritualidade, algumas ainda não analisadas por mim, mas que mereceriam um novo olhar e maior aprofundamento. Neste texto, resolvi ir um pouco mais a fundo nessa questão por acreditar que ela é significativa tanto para a criança, quanto para nós, adultos, para que possamos entrar em maior contato conosco e ter relações mais equilibradas, e para que estejamos  mais conscientes do nosso papel junto aos nossos pequenos.

Inteligência Emocional e Inteligências Múltiplas: conceitos diferentes que se interpenetram

Daniel Goleman, que popularizou o conceito de Inteligência Emocional, e Howard Gardner, com sua teoria das Inteligências Múltiplas, ao final do século passado, trouxeram um novo olhar para o desenvolvimento humano e uma nova visão da interface emoções e inteligência (temas tratados em artigos anteriores). Por muito tempo, a razão foi priorizada em detrimento das emoções, pois estas eram consideradas prejudiciais ao bom funcionamento do intelecto. Entretanto, os estudos das neurociências trouxeram uma visão que revolucionou o que estava posto, e as emoções passaram a ser vistas como fundamentais ao bom desempenho da mente.

As teorias citadas acima foram essenciais para que a relação intelecto-inteligência-emoções fosse revista. A teoria das inteligências múltiplas traz uma visão ampliada das habilidades cognitivas, considerando a Inteligência um constructo subdividido em áreas. Uma criança que não tem grande competência em cálculos pode ter maior habilidade linguística ou musical, o que não significa ser mais ou menos inteligente. As habilidades de autoconhecimento e de conhecimento das emoções dos demais passam a ter tanto peso quanto as anteriormente chamadas habilidades cognitivas.

Aprender mais sobre nossas emoções e identificá-las é uma forma de lidar melhor com elas

Educar as emoções significa aprender a administrá-las  e não é algo tão simples como se vê em algumas propostas que carecem de um bom embasamento teórico. O conceito de inteligência emocional, trazido por Peter Salovey e David  Sluyter, no livro “Inteligência emocional da criança”, expressa bem a sua grande complexidade: “Inteligência emocional é a inteligência que envolve a capacidade de perceber acuradamente, avaliar e expressar emoção; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção; e a capacidade de controlar emoções reflexivamente, de modo a promover o crescimento emocional e intelectual”.

A definição dos autores não deixa dúvidas de que educar as emoções não se limita à capacidade de percebê-las e controlá-las, mas envolve a ação do pensamento sobre o sentimento, da cognição sobre a emoção e exige múltiplas capacidades. Passando sempre das habilidades mais simples às mais difíceis, do perceber e integrar ao administrar. É um processo complexo de construção permanente, que se inicia em contato com a primeira família, passa pela escola e se estende aos ambientes por onde circulamos ao longo da vida como os profissionais, acadêmicos, grupais, de amigos, etc.

Na primeira infância, de forma muito natural, a criança já expressa suas emoções como o medo, a raiva, a alegria, a tristeza e, com frequência, essas emoções são reprimidas pelos adultos. Estas não podem ser mostradas por duas principais razões: por preconceito, por julgarem que emoções não devem ser mostradas ou porque eles mesmos não sabem como lidar com elas.  Aprendemos que se mostrarmos nossas fraquezas, nossas decepções e frustrações, isso pode ser usado contra nós, ou, então, que ficaremos mal diante dos outros. Reich aponta a contenção de nossas emoções como um dos grandes causadores das couraças musculares e de caráter, que bloqueiam o fluxo da nossa energia vital. Um exemplo que todos, com certeza, conhecem é a “proibição” de sentir raiva de um ser querido e a culpa por um sentimento absolutamente normal e incontrolável. Quem de nós não vivenciou isso? Raiva da mãe ou da professora, do irmão ou de um amiguinho? Sentimentos que vêm e vão, embora seja necessário aprendermos a lidar com eles. Afinal, o problema não é sentir raiva, inveja ou medo, mas, sim, o que fazemos com eles. E é na vivência das situações comuns e com as respostas dos adultos que as crianças podem ou não aprender como gerenciar suas emoções. Isso dá uma pequena mostra de como é necessário saber mais sobre as emoções, tanto sobre as próprias como sobre as dos outros.

Mais acima, citei que as emoções eram consideradas prejudiciais à razão, e muita gente, incluindo boa parte dos educadores, acreditam cegamente nisso, e há um sentido para que tal ocorra, uma vez que, em determinadas circunstâncias, as reações emocionais prejudicam o raciocínio e podem levar a ações indesejáveis. Na verdade, o que nubla o raciocínio são as emoções descontroladas, ou não saber identificá-las e delas se proteger. Reconhecer o que sinto, como se chama e que posso fazer com este sentimento, na verdade, melhora minha capacidade de decidir e de atuar.

Exemplifico: em meio a um acesso de raiva, um motorista dirige como um louco e acaba provocando um acidente. Em um momento de desespero e revolta, uma mulher quebra toda a louça que está na bancada da cozinha, tendo um enorme prejuízo. Estes exemplos mostram um destempero causado por emoções e reações extremadas e nada racionais. Mostram ainda a importância de trabalhar as emoções em vez de desconsiderá-las e “empurrá-las para o fundo do baú” ou “pra baixo do tapete”.

O que é espiritualidade?

A corporeidade, como vimos em textos anteriores, é um conceito que engloba motricidade, afetividade, cognição, espiritualidade, relações pessoais e ambientais. A espiritualidade, no contexto aqui utilizado, se refere às necessidades mais profundas do ser humano e que lhe permitem se tornar uma pessoa melhor, como o cuidado com o outro, com seu meio ambiente e consigo mesmo. Quando se fala em espiritualidade, a relação que, geralmente, se estabelece é com religião, e há uma lógica nesse pensamento uma vez que as religiões se voltam para o desenvolvimento espiritual.  Eu a vejo relacionada à forma como Leonardo Boff a considera, como aquilo que provoca uma transformação mais profunda em nós. O teólogo observa que a percepção da unidade corpo, mente e espírito foi fragmentada, deixando de ser considerada devido a um olhar mecânico-racional da nossa cultura. Eu acrescento aqui o viés capitalista da nossa sociedade em que “ter é muito mais estimulado que ser”.

Cuidar de nós e do nosso meio ambiente: uma manifestação da espiritualidade, da nossa humanidade

Assim, não vejo a espiritualidade ligada a uma crença religiosa, mas sim vinculada a uma dimensão mais profunda do ser humano, que nos induz a ir além de comer, dormir e trabalhar, de realizar tarefas de forma mecânica e rotineira; nos induz a sonhar, a construir algo que tenha sentido para nós, a transcender, a nos responsabilizar, a nos compadecer e nos enternecer, a nos sensibilizar, a partilhar, a viver com mais amorosidade, solidariedade e respeito. Tais qualidades não são próprias apenas de alguns; como Boff afirma, a espiritualidade é própria da natureza humana, faz parte do processo de se humanizar, é justamente a dimensão mais profunda do ser. A falta dos sentimentos que nos tornam mais humanos abre espaço à violência, ao vandalismo, ao desrespeito, à indiferença e a outros tantos danos que a sociedade tem vivenciado. E o próprio Gardner investiga e descreve a espiritualidade como um constructo das oito inteligências múltiplas.

Educação emocional e espiritualidade: unindo os fios

Como vimos, falar em espiritualidade significa falar de uma relação consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com o Universo, significa falar da inteligência intrapessoal e da interpessoal, duas das inteligências propostas por Gardner e que são consideradas por Goleman quando trata da inteligência emocional. A inteligência intrapessoal pode ser considerada a capacidade de construir uma imagem real e verdadeira de si mesmo, e de ser capaz de usar essa imagem de forma eficaz. É ter a capacidade de discriminar as próprias emoções, dar nome a elas e saber usá-las para orientar decisões. É uma forma de inteligência que se relaciona à capacidade de se autoperceber e de desenvolver o autoconhecimento. Como ressalta Boff, a espiritualidade que cada um de nós tem se revela pela capacidade de dialogar conosco e com o próprio coração. É poder ouvir nossa alma e atender seus pedidos.

Já a inteligência interpessoal é a capacidade de perceber, valorizar e trabalhar com as intenções e motivações de outras pessoas, de estabelecer relações mais equilibradas. Nas palavras de Boff, a espiritualidade nas relações com o outro se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta, pelo acolhimento e pelo cuidado. Acrescento aqui o respeito, pois sua ausência tem gerado muita violência tanto psicológica quanto física e inviabilizado muitas relações.

Acolher, cuidar do outro e respeitar as diferenças são expressões da espiritualidade do ser

A meditação de que falamos no último post pode ser considerada uma prática que estimula a nossa espiritualidade, trazendo-nos o aquietamento mental e a consciência do momento presente, uma forma de autocuidado e de autopercepção, portanto de autoconhecimento. Também nos ajuda a criar conexões mais equilibradas e saudáveis não só conosco, mas também com o outro, e estimula a empatia, a capacidade de se ver no lugar da outra pessoa. Isso torna mais fácil criar relações em que haja respeito entre aqueles de raças, crenças e culturas diferentes, com opções sexuais diferenciadas e que haja maior solidariedade e fraternidade de que estamos bastante carentes.

Se a criança, como foi analisado, exercitar desde uma idade mais tenra a prática da meditação, do relaxamento e da respiração, estes recursos preciosos e seus efeitos estarão a sua disposição quando forem necessários. Quanto a nós, adultos, se ainda não começamos, é hora de começar. Afinal, como temos conversado, a neuroplasticidade permite que mudanças ocorram a qualquer tempo. E cuidar de nós é fundamental.

 

Fotos retiradas da web.

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Um ano novo de verdade

 

Um novo ano se inicia e os votos para que seja feliz se renovam.  Mas será que apenas os nossos desejos para que seja mais feliz ou haja mais paz, mais alegrias, mais sucessos e realizações são suficientes?  Qual a nossa responsabilidade nesse processo? E como educadores – sejamos pais, avós ou professores, o que nos cabe para que um novo ano seja melhor que o anterior? Acredito que vale tecer algumas reflexões neste início de ano para que nossos pequenos possam colher frutos mais doces não só neste período de 365 dias que se iniciou há pouco, mas em anos vindouros ao longo de suas vidas. E que também nós, adultos, possamos fazê-lo.

Temos presenciado altos níveis de desrespeito, corrupção, descuido com a Natureza, violência, preconceitos, descaso com o ser humano, e, sem dúvida, queremos um ano melhor. Mas muito de tudo isso tem origem com a falta de cuidado, de educação ou de valores cuja aprendizagem começa na família e continua na escola. Cabe-nos perguntar o que podemos fazer para diminuir tais efeitos. Talvez, na correria do nosso cotidiano, na necessidade de se trabalhar mais para ganhar o necessário, no cansaço do final de cada dia, alguns aspectos sejam negligenciados. Coisas, às vezes, pequenas mas significativas que exigem persistência e atenção dos responsáveis pelas crianças – futuros jovens e adultos.

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Talvez você pense: “mas é diferente!” Será mesmo? Enumero algumas cenas presenciadas por mim ao longo do ano que se despede. Cena 1: Um adulto adverte uma criança por ter tirado um pacotinho de biscoitos do seu carrinho do supermercado e abri-lo. A mãe finge não ouvir e continua suas compras – um grande desrespeito. Cena 2: Um menino acompanhado por seu pai arranca flores da jardineira de um prédio, as joga no chão e pisa. Cena 3: Outro, desta vez com a mãe, chuta um cachorro que passa despreocupado à sua frente. Nas últimas cenas, também, nada de advertências – descuido com a Natureza e violência. Cena 4: Na pracinha, em meio à brincadeira, uma menina negra tromba com uma menina branca. A avó corre gritando: “Onde esta neguinha pensa que está?” (Brincando na pracinha, é claro). Isso é preconceito e violência (como toda forma de preconceito). No caso das duas meninas, à primeira vista, nenhuma das duas se incomodou, iriam continuar a brincadeira sem problemas. Mas como a atitude da avó repercutiu em cada uma delas? De que forma isso continuará a reverberar?

Cena que se repete: Uma situação que todos nós, professores, já vivenciamos em algum momento é a sujeira na sala de aula.  E isso vai da educação infantil ao ensino superior, o que é um grande desrespeito aos colegas, aos funcionários da limpeza e a si mesmos. Afinal, quem quer passar horas de seu dia em um lugar cheio de papel de bala, restos de tiras de lápis apontados, papel amassado e carteiras rabiscadas? E no canto da sala sempre há uma lixeira. Toda vez que pedia para alguns de meus alunos limparem a sua área, ficava me perguntando: será que fazem isso em qualquer lugar?

Cenas que não param de acontecer: Ainda falando em lixo, é comum vermos embalagens sendo jogadas no chão das ruas e praças, nos córregos, arremessadas de carros, de janelas, potinhos de sorvetes deixados nos lugares mais inusitados como janelas de casas que dão para as calçadas, muito comuns em cidades menores. E quando vamos à praia ou vêm as inundações? Pode-se ver de tudo! Pobre Natureza! Coitado de nosso meio ambiente!

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Muitas vezes, atitudes que vivenciamos, especialmente com crianças mais velhas, adolescentes ou jovens, notadamente, não podem ser vistas como desrespeito, simplesmente, porque estes jovens indivíduos nem sempre têm noção de que há regras de convivência, pois não chegaram a aprendê-las. Na Universidade, ficava muito irritada ao chegar ao térreo, pois sempre havia um grupo que queria entrar no elevador antes que eu pudesse sair. Amarrava a cara, mas ninguém percebia e nada mudava. Aí passei a dizer com um sorriso: “Calma aí, gente, me deixem sair primeiro. Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço!” Muitos daqueles com quem cruzava regularmente passaram a esperar minha saída e, até, a sorrir.

Com certeza, você teria outros casos para contar, assim como eu, que prefiro parar por aqui.

O primeiro ponto a enfatizar é que crianças aprendem o que vivem ou presenciam. Por isso é tão importante que as orientemos para que não façam como “todo mundo”, mas que façam o que deveria ser feito. Importante também lembrar que as transformações não virão em um passe de mágica, nem de uma mudança na legislação, mas que dependem de nós, de nossas ações, de nosso compromisso com elas. Nós somos os responsáveis pelas mudanças que desejamos. Como poetiza Carlos Drummond de Andrade em um trechinho de sua Receita de Ano Novo, 

Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.

Outro ponto a considerar é que ações correspondem a reações, e esta lei deve ser considerada quando educamos nossas crianças. Irritação gera irritação, mau humor afasta as pessoas, gentileza gera gentileza, sorrisos provocam novos sorrisos, amor, afeto e respeito nos aproximam do outro, … Vamos estimulá-las a serem delicadas, e se pode começar com o uso das famosas palavrinhas mágicas: obrigada, por favor, com licença, que, quando partem dos pequenos, sempre geram simpatia. Não precisamos gostar de alguém para sermos delicados, e esta aprendizagem nos ajuda na convivência onde quer que estejamos.

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Podemos criar ambientes mais saudáveis a nossa volta ensinando nossas crianças a se aceitarem em suas diferenças, a serem mais leves, mais generosas, a apreciarem o que possuem, a valorizar seus amiguinhos e aqueles que as amam; ensinando-as a respeitar os mais velhos, a serem gratas, a valorizarem o que têm ao invés de lamentarem por aquilo que não podem ter.

Ninguém é feliz o tempo todo, é importante ajudá-las a aceitar ou suportar o que lhes traz angústia ou tristeza, decepção ou medo até que tenham maturidade para fazê-lo sozinhas. Com nossa ajuda fica mais fácil. Nesse sentido, acolhamos seus sentimentos e os respeitemos (o que não significa aceitar as birras como já analisamos em artigos anteriores). Falar o que sentem as ajuda a se sentirem melhor e, muitas vezes, apenas nossa presença, atenção ou mesmo um abraço são suficientes para trazer-lhes conforto.

Em momentos de muito egoísmo como os que temos presenciado, procuremos ensinar-lhes solidariedade e empatia. Em meio a preconceitos e diferenças, ensinemos o respeito àqueles que pensam diferente, que são de outra raça ou seguem outros credos. Além de normas de convivência, também estamos falando de algo essencial: educação das emoções (inteligência emocional).

Younger sister offers comfort to her big sister after a fall.

Ofereçamos aos nossos pequenos o nosso tempo (e mais vale a qualidade que a quantidade), brinquemos com eles, deixemos que façam escolhas e tomem decisões apropriadas para sua idade, estimulando-lhes a autonomia.

Dessa forma, viverão um novo ano com maior autoestima, autoconfiança, com a segurança de que são amados, e, certamente, se sentirão mais felizes. E nós também, pois, o ano novo que cochila dentro de nós, como diz Drummond, vai poder, aos poucos, despertar.

Um ano realmente novo para você e para aqueles que fazem parte de sua vida.

Comentários, sugestões e perguntas são sempre bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo, assim que possível responderei.

Grande abraço e até a próxima postagem

Lucia Helena

Fotos retiradas da web.

Educação emocional: o que é exatamente isso?

Este texto foi escrito a quatro mãos pela psicóloga Jaqueline Marilac Madeira e por mim, Lucia Helena Pena Pereira, que a co-orientei em seu doutorado na Espanha, onde o trabalho com as crianças foi realizado. Por ser uma experiência muito rica e inovadora, trouxemos algumas considerações que nos parecem mais significativas para este site, em que optamos por uma linguagem sem o rigor acadêmico, com o objetivo de trazer contribuições para aqueles que estão envolvidos com crianças.

O termo educação emocional está na moda, suscitando muito interesse, curiosidade e dúvidas. E é na verdade tão importante quanto necessário, tanto para pais quanto para professores, conhecer mais e usar este conhecimento no dia a dia da educação das crianças. Afinal, quando sabemos lidar com nossas emoções, elas são grandes aliadas e não as vilãs da história como muitos dos que defendem a racionalidade acreditam.emocao

A primeira pergunta a ser feita é: É realmente necessário educar as emoções? Podemos educar os comportamentos (conjunto de hábitos) e o pensamento que está associado ao sentimento. A emoção é definida como uma reação psicofisiológica com três sistemas de respostas: O primeiro é o fisiológico (adaptativo) que se manifesta através de reações corporais: O que eu sinto? O medo, por exemplo, se manifesta fisicamente com contração muscular, suor frio, aceleração cardíaca. O segundo é o cognitivo, o nosso pensamento, que corresponde a uma linguagem interna que nos induz a reagir. Qual o meu impulso? Gritar por alguém? Esconder-me em algum lugar? O que eu penso? O terceiro é a atitude efetivamente tomada, a conduta que eu expresso: O que faço com o que eu sinto? Saio correndo, fico paralisado, choro, …?choro capa

A emoção tem um grande poder de ativação e motivação para as ações, pode mudar o resultado de qualquer objetivo quando bem utilizada. É fundamental para a tomada de decisões, como já demonstrou o neurocientista António Damásio, e para o processo de aprendizagem da criança. O que desperta prazer e traz alegria é muito mais facilmente apreendido pela criança. O que traz desagrado pode facilmente ser rejeitado e até esquecido. Se a criança está confiante, a tendência é desempenhar bem suas atividades, ter bons resultados em um teste, por exemplo. Entretanto, se estiver com medo, poderá chegar a “ter um branco”, não conseguir tomar atitudes necessárias ou não responder bem às questões de uma prova. Qualquer programa de educação emocional trabalha com estes três sistemas de respostas: sentimento, pensamento e conduta (ação), e a intervenção ocorre, principalmente, no pensamento e na conduta, de forma a permitir maior coerência na expressão do sentimento, e a equilibrar pensamento, sentimento e ação.

Você, que está acompanhando os textos publicados quinzenalmente, deve se lembrar de que, lá no primeiro texto, se falou da importância de começar nossa caminhada pela corporeidade. Lembra? Pois aí está, até para educar nossas emoções precisamos de toda esta estrutura que está sempre presente: pensamentos, sentimentos e ações, e as relações que estabelecemos com o mundo a nossa volta, incluindo, naturalmente, as relações humanas (que, cá pra nós, trazem grandes desafios), mundo de onde recebemos estímulos aos qlogo_familiauais reagimos todo o tempo.

Quem ensina ou educa as emoções? As habilidades vinculadas à educação emocional sempre foram historicamente aprendidas no seio familiar e na convivência com outras crianças, por meio de jogos e na relação com familiares. Mas a vida contemporânea limita cada vez mais as oportunidades de que as crianças adquiram estas habilidades de forma natural, uma vez que os pais ficam fora por mais tempo atendendo a demandas econômicas, não há mais brincadeiras na rua como antes, pois os riscos são maiores e as crianças ficam mais tempo na escola, muitas vezes. Daí surge a necessidade de se desenvolver um trabalho escolar em que estas habilidades possam ser aprendidas. Atualmente, o tempo das crianças está estruturado demais, elas têm, não raro, um acúmulo de atividades, agenda cheia, o que lhes deixa menos tempo para uma convivência verdadeiramente enriquecedora. Acreditamos, assim, que um trabalho que alie escola e família pode trazer resultados ainda mais proveitosos.

Um trabalho de pesquisa realizado e aplicado na Espanha uniu três trabalhos teóricos para desenvolver um programa de educação emocional: a teoria das Inteligências Múltiplas, criada e desenvolvida pelo psicólogo Howard Gardner; a da Inteligência Emocional do psicólogo Daniel Goleman, e a Bioexpressão, criada pela pedagoga Lucia Helena Pena Pereira, que ofereceu, além da base teórica, a possibilidade de criar atividades em um formato lúdico, o que caracteriza as vivências bioexpressivas. Esta união permitiu que as crianças pudessem vivenciar experiências prazerosas e com objetivos bem claros para a coordenadora da proposta, mas que, para elas eram só uma grande brincadeira. Mais adiante, vamos reproduzir algumas dessas vivências que poderão ser experienciadas em casa ou na escola, mas, primeiro, vamos entender alguns pontos importantes dessas teorias que podem ajudar muito aqueles que têm envolvimento com a formação de crianças.

A teoria das inteligências múltiplas defende a importância de estimular as crianças desde os primeiros anos a conhecer suas habilidades, seus pontos fortes e pontos fracos com o objetivo de seguir melhorando as habilidades, mas também de aprender a “trabalhar” as debilidades, aqueles pontos que precisam ser mais cuidados. Goleman defende a importância de adquirir durante e desde os primeiros anos do desenvolvimento as habilidades que estão associadas aos cinco pilares da Inteligência Emocional: a) autoestima (autoconceito), b) autocontrole; c) automotivação; d) empatia (capacidade de compreender o sentimento ou reação da outra pessoa imaginando-se na mesma situação) ; e) habilidades sociais.

P1020621A Bioexpressão completa o trabalho trazendo a forma de trabalhar através da corporeidade, integrando pensamentos, sentimentos e ações, e proporcionando a relação das crianças com o espaço e os amiguinhos, e também orientando-os no uso dos materiais a serem usados. A prática bioexpressiva trabalha com cinco focos: o trabalho corporal expressivo, as vivências lúdicas e artísticas, a respiração, o relaxamento e a ampliação da percepção sensorial. Estes focos foram trabalhados em artigos anteriores, quando se falou da importância desses aspectos para o desenvolvimento equilibrado dos nossos pequenos (e também dos adultos).

tampa ouvidosA teoria das inteligências múltiplas traz uma visão diferenciada de considerar as habilidades cognitivas. Uma criança que não tem maior competência em cálculos pode ter uma maior habilidade linguística ou musical, o que não significa ser mais ou menos inteligente. Quando se pensa em educação emocional, é importante considerar duas formas de inteligência entre outras que foram propostas por Gardner: inteligências intrapessoal e interpessoal. O psicólogo define a inteligência intrapessoal como a capacidade de construir uma imagem real, exata e verdadeira de si mesmo, e de ser capaz de usar essa imagem de forma eficaz. É ter a capacidade de discriminar as próprias emoções, dar nome a elas e saber usá-las para orientar decisões. É uma forma de inteligência que se relaciona à capacidade de se autoperceber e de desenvolver o autoconhecimento.a inteligência interpessoal é a capacidade de perceber, valorizar e trabalhar com as intenções e motivações de outras pessoas.

Tanto Gardner quanto Goleman defendem a necessidade de estimular a aquisição das habilidades que compõem ambas as inteligências – a intrapessoal e a interpessoal. Estas inteligências foram melhor explicadas ao serem divididas em habilidades ou competências, um trabalho realizado por estudiosos posteriores a Gardner. E são elas: a) identificar as emoções no momento em que são sentidas (considerada a pedra angular da Inteligência Emocional); b) capacidade de controlar-se (autocontrole); c) capacidade de motivar a si mesmo (automotivação); d) reconhecimento das emoções das outras pessoas; e) controle das relações (a capacidade de se relacionar adequadamente com outras pessoas).

Como podemos observar, essas competências exigem um trabalho contínuo e sensível, mas podem propiciar qualidade de vida bem maior a quem as possui – crianças ou adultos. Um dos resultados obtidos na pesquisa realizada aponta a importância do trabalho lúdico direcionado para a educação emocional das crianças. E esta será nossa próxima postagem. Falaremos da experiência vivida e de algumas atividades utilizadas. Até lá e grande abraço!

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Fotos retiradas da web e de arquivo pessoal.