Refletindo sobre educação emocional e espiritualidade: algumas relações

Enquanto escrevia o artigo anterior, cujo foco era a meditação, fui observando relações significativas entre corporeidade, educação emocional, meditação e espiritualidade, algumas ainda não analisadas por mim, mas que mereceriam um novo olhar e maior aprofundamento. Neste texto, resolvi ir um pouco mais a fundo nessa questão por acreditar que ela é significativa tanto para a criança, quanto para nós, adultos, para que possamos entrar em maior contato conosco e ter relações mais equilibradas, e para que estejamos  mais conscientes do nosso papel junto aos nossos pequenos.

Inteligência Emocional e Inteligências Múltiplas: conceitos diferentes que se interpenetram

Daniel Goleman, que popularizou o conceito de Inteligência Emocional, e Howard Gardner, com sua teoria das Inteligências Múltiplas, ao final do século passado, trouxeram um novo olhar para o desenvolvimento humano e uma nova visão da interface emoções e inteligência (temas tratados em artigos anteriores). Por muito tempo, a razão foi priorizada em detrimento das emoções, pois estas eram consideradas prejudiciais ao bom funcionamento do intelecto. Entretanto, os estudos das neurociências trouxeram uma visão que revolucionou o que estava posto, e as emoções passaram a ser vistas como fundamentais ao bom desempenho da mente.

As teorias citadas acima foram essenciais para que a relação intelecto-inteligência-emoções fosse revista. A teoria das inteligências múltiplas traz uma visão ampliada das habilidades cognitivas, considerando a Inteligência um constructo subdividido em áreas. Uma criança que não tem grande competência em cálculos pode ter maior habilidade linguística ou musical, o que não significa ser mais ou menos inteligente. As habilidades de autoconhecimento e de conhecimento das emoções dos demais passam a ter tanto peso quanto as anteriormente chamadas habilidades cognitivas.

Aprender mais sobre nossas emoções e identificá-las é uma forma de lidar melhor com elas

Educar as emoções significa aprender a administrá-las  e não é algo tão simples como se vê em algumas propostas que carecem de um bom embasamento teórico. O conceito de inteligência emocional, trazido por Peter Salovey e David  Sluyter, no livro “Inteligência emocional da criança”, expressa bem a sua grande complexidade: “Inteligência emocional é a inteligência que envolve a capacidade de perceber acuradamente, avaliar e expressar emoção; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção; e a capacidade de controlar emoções reflexivamente, de modo a promover o crescimento emocional e intelectual”.

A definição dos autores não deixa dúvidas de que educar as emoções não se limita à capacidade de percebê-las e controlá-las, mas envolve a ação do pensamento sobre o sentimento, da cognição sobre a emoção e exige múltiplas capacidades. Passando sempre das habilidades mais simples às mais difíceis, do perceber e integrar ao administrar. É um processo complexo de construção permanente, que se inicia em contato com a primeira família, passa pela escola e se estende aos ambientes por onde circulamos ao longo da vida como os profissionais, acadêmicos, grupais, de amigos, etc.

Na primeira infância, de forma muito natural, a criança já expressa suas emoções como o medo, a raiva, a alegria, a tristeza e, com frequência, essas emoções são reprimidas pelos adultos. Estas não podem ser mostradas por duas principais razões: por preconceito, por julgarem que emoções não devem ser mostradas ou porque eles mesmos não sabem como lidar com elas.  Aprendemos que se mostrarmos nossas fraquezas, nossas decepções e frustrações, isso pode ser usado contra nós, ou, então, que ficaremos mal diante dos outros. Reich aponta a contenção de nossas emoções como um dos grandes causadores das couraças musculares e de caráter, que bloqueiam o fluxo da nossa energia vital. Um exemplo que todos, com certeza, conhecem é a “proibição” de sentir raiva de um ser querido e a culpa por um sentimento absolutamente normal e incontrolável. Quem de nós não vivenciou isso? Raiva da mãe ou da professora, do irmão ou de um amiguinho? Sentimentos que vêm e vão, embora seja necessário aprendermos a lidar com eles. Afinal, o problema não é sentir raiva, inveja ou medo, mas, sim, o que fazemos com eles. E é na vivência das situações comuns e com as respostas dos adultos que as crianças podem ou não aprender como gerenciar suas emoções. Isso dá uma pequena mostra de como é necessário saber mais sobre as emoções, tanto sobre as próprias como sobre as dos outros.

Mais acima, citei que as emoções eram consideradas prejudiciais à razão, e muita gente, incluindo boa parte dos educadores, acreditam cegamente nisso, e há um sentido para que tal ocorra, uma vez que, em determinadas circunstâncias, as reações emocionais prejudicam o raciocínio e podem levar a ações indesejáveis. Na verdade, o que nubla o raciocínio são as emoções descontroladas, ou não saber identificá-las e delas se proteger. Reconhecer o que sinto, como se chama e que posso fazer com este sentimento, na verdade, melhora minha capacidade de decidir e de atuar.

Exemplifico: em meio a um acesso de raiva, um motorista dirige como um louco e acaba provocando um acidente. Em um momento de desespero e revolta, uma mulher quebra toda a louça que está na bancada da cozinha, tendo um enorme prejuízo. Estes exemplos mostram um destempero causado por emoções e reações extremadas e nada racionais. Mostram ainda a importância de trabalhar as emoções em vez de desconsiderá-las e “empurrá-las para o fundo do baú” ou “pra baixo do tapete”.

O que é espiritualidade?

A corporeidade, como vimos em textos anteriores, é um conceito que engloba motricidade, afetividade, cognição, espiritualidade, relações pessoais e ambientais. A espiritualidade, no contexto aqui utilizado, se refere às necessidades mais profundas do ser humano e que lhe permitem se tornar uma pessoa melhor, como o cuidado com o outro, com seu meio ambiente e consigo mesmo. Quando se fala em espiritualidade, a relação que, geralmente, se estabelece é com religião, e há uma lógica nesse pensamento uma vez que as religiões se voltam para o desenvolvimento espiritual.  Eu a vejo relacionada à forma como Leonardo Boff a considera, como aquilo que provoca uma transformação mais profunda em nós. O teólogo observa que a percepção da unidade corpo, mente e espírito foi fragmentada, deixando de ser considerada devido a um olhar mecânico-racional da nossa cultura. Eu acrescento aqui o viés capitalista da nossa sociedade em que “ter é muito mais estimulado que ser”.

Cuidar de nós e do nosso meio ambiente: uma manifestação da espiritualidade, da nossa humanidade

Assim, não vejo a espiritualidade ligada a uma crença religiosa, mas sim vinculada a uma dimensão mais profunda do ser humano, que nos induz a ir além de comer, dormir e trabalhar, de realizar tarefas de forma mecânica e rotineira; nos induz a sonhar, a construir algo que tenha sentido para nós, a transcender, a nos responsabilizar, a nos compadecer e nos enternecer, a nos sensibilizar, a partilhar, a viver com mais amorosidade, solidariedade e respeito. Tais qualidades não são próprias apenas de alguns; como Boff afirma, a espiritualidade é própria da natureza humana, faz parte do processo de se humanizar, é justamente a dimensão mais profunda do ser. A falta dos sentimentos que nos tornam mais humanos abre espaço à violência, ao vandalismo, ao desrespeito, à indiferença e a outros tantos danos que a sociedade tem vivenciado. E o próprio Gardner investiga e descreve a espiritualidade como um constructo das oito inteligências múltiplas.

Educação emocional e espiritualidade: unindo os fios

Como vimos, falar em espiritualidade significa falar de uma relação consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com o Universo, significa falar da inteligência intrapessoal e da interpessoal, duas das inteligências propostas por Gardner e que são consideradas por Goleman quando trata da inteligência emocional. A inteligência intrapessoal pode ser considerada a capacidade de construir uma imagem real e verdadeira de si mesmo, e de ser capaz de usar essa imagem de forma eficaz. É ter a capacidade de discriminar as próprias emoções, dar nome a elas e saber usá-las para orientar decisões. É uma forma de inteligência que se relaciona à capacidade de se autoperceber e de desenvolver o autoconhecimento. Como ressalta Boff, a espiritualidade que cada um de nós tem se revela pela capacidade de dialogar conosco e com o próprio coração. É poder ouvir nossa alma e atender seus pedidos.

Já a inteligência interpessoal é a capacidade de perceber, valorizar e trabalhar com as intenções e motivações de outras pessoas, de estabelecer relações mais equilibradas. Nas palavras de Boff, a espiritualidade nas relações com o outro se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta, pelo acolhimento e pelo cuidado. Acrescento aqui o respeito, pois sua ausência tem gerado muita violência tanto psicológica quanto física e inviabilizado muitas relações.

Acolher, cuidar do outro e respeitar as diferenças são expressões da espiritualidade do ser

A meditação de que falamos no último post pode ser considerada uma prática que estimula a nossa espiritualidade, trazendo-nos o aquietamento mental e a consciência do momento presente, uma forma de autocuidado e de autopercepção, portanto de autoconhecimento. Também nos ajuda a criar conexões mais equilibradas e saudáveis não só conosco, mas também com o outro, e estimula a empatia, a capacidade de se ver no lugar da outra pessoa. Isso torna mais fácil criar relações em que haja respeito entre aqueles de raças, crenças e culturas diferentes, com opções sexuais diferenciadas e que haja maior solidariedade e fraternidade de que estamos bastante carentes.

Se a criança, como foi analisado, exercitar desde uma idade mais tenra a prática da meditação, do relaxamento e da respiração, estes recursos preciosos e seus efeitos estarão a sua disposição quando forem necessários. Quanto a nós, adultos, se ainda não começamos, é hora de começar. Afinal, como temos conversado, a neuroplasticidade permite que mudanças ocorram a qualquer tempo. E cuidar de nós é fundamental.

 

Fotos retiradas da web.

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Aprendizagem e neuroplasticidade: algumas relações iniciais

Não tenho a menor dúvida de que todos nós, educadores, sejamos professores ou pais, queremos que nossos pequenos se desenvolvam e aprendam, e que também tenham prazer em passar por esse processo. Entretanto, a aprendizagem não ocorre de maneira linear, não é a mesma para todos, e o conhecimento da neuroplasticidade pode nos ajudar a entender melhor alguns aspectos da estimulação da criança e do direcionamento da prática pedagógica.

Ao longo de nossa existência, o cérebro passa por uma constante mutação de sua rede de conexões neurais – as sinapses, e estas conexões se devem aos estímulos do meio ambiente, do contato com pessoas e situações. A plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro tem em se adaptar às necessidades do indivíduo. O Sistema Nervoso Central (SNC) é capaz de modificar sua organização estrutural e funcional em função dos estímulos externos. A partir de experiências vividas pelo indivíduo, redes de neurônios são reorganizadas, sinapses são reforçadas e são possibilitadas novas respostas em função do que é necessário.

Até meados do século passado, acreditava-se que as conexões entre os neurônios (sinapses) que se formavam na infância eram imutáveis. Mas estudos em neurociências nos mostram que não é isso que acontece, nos mostram que estas sinapses continuam a surgir durante a fase adulta, o que significa que sempre é tempo de aprender. Porém, os estudos também apontam que o sistema nervoso da criança tem maior plasticidade que o de um adulto, e isto significa que é importante que a criança possa ser estimulada nessa fase para favorecer seu desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social.

Um primeiro ponto importante para a prática pedagógica a enfatizar é que estímulos diferenciados (música, brincadeiras, movimento, desenhos, pinturas, modelagem, diálogos da criança com o adulto e com os amiguinhos, entre muitos outros) ativam estruturas cerebrais.

Outro ponto é que adquirir novos conhecimentos depende de conhecimentos anteriores, assim como de estímulos para aquisição e manutenção do aprendizado.  O conhecimento prévio necessário para adquirir uma nova noção é fundamental, assim como os métodos pedagógicos mais adequados para o nível de aprendizado do educando.  Por exemplo: A criança precisa adquirir uma coordenação global dos movimentos para que tempos ritmados possam ser trabalhados em danças e jogos cantados.  Ela precisa ainda ser estimulada de forma a “curtir” o novo conhecimento (Neste aspecto acredito que isto não é difícil).

Se isso ocorrer, aquele que faz a mediação da aprendizagem, o educador, poderá ter maiores chances de ser bem sucedido. Porém, se a qualidade da mediação não for boa o bastante, as sinapses ocorridas podem não ser eficientes o bastante para que a aprendizagem aconteça.

Dois aspectos merecem ainda ser destacados aqui: o primeiro se apoia na questão de que falamos em nosso artigo do mês de janeiro – a corporeidade, considerando que o indivíduo é uma totalidade que envolve cognição, afetividade, motricidade e relações com o outro e com seu meio social.  Assim, a aprendizagem também ocorre de forma mais ampla. Aquilo que nos afeta (isto é, que atua em nossa afetividade, que nos traz alguma emoção como alegria, encantamento ou prazer), ou que podemos vivenciar corporalmente, ou criativamente, que tem relação direta com com nosso grupo social (como o estudo da região em que a criança mora) será mais facilmente apreendido e aprendido. É importante ter clareza de que o aluno como um todo está envolvido na aprendizagem, não apenas o intelecto.

Outro aspecto a considerar é o que a teoria das Inteligências Múltiplas, criada pelo psicólogo norte-americano Howard Gardner, na década de 1980, nos traz de contribuição. Segundo ele, cada indivíduo tem uma forma própria de ser, com aptidões diferenciadas, interesses diversos. Gardner propôs sete diferentes tipos de inteligência, deixando de lado o conhecido QI (quociente de inteligência) usado na época. São elas: inteligência linguística, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica, inteligência musical, interpessoal e intrapessoal.  Posteriormente, a inteligência naturalística foi adicionada à lista.

Assim sendo, não se aprende da mesma maneira, pois há maior ou menor afinidade com diferentes áreas de conhecimento, de acordo com o tipo de inteligência que predomina em cada indivíduo. Todos nós temos todas elas em maior ou menor grau e todas as inteligências podem ser estimuladas e desenvolvidas ao longo da vida. Isso nos permite compreender que é necessário que as crianças recebam maior suporte do professor para trabalhar determinados conteúdos em que haja maiores dificuldades. E isso pode significar mudar a maneira de ensinar. Se o professor repete, mesmo que numerosas vezes, da mesma maneira, a explicação de um conceito, são sempre ativadas as mesmas conexões neurais, o que não favorece a aprendizagem.

O fato de que todas as inteligências podem ser estimuladas e desenvolvidas se refere ao poder de o cérebro criar novas sinapses, ativando áreas menos desenvolvidas.

Se faz necessário considerar as competências e habilidades do indivíduo visto em sua totalidade, que não se valorizem apenas a inteligência linguística ou lógico-matemática, as duas formas de inteligência priorizadas na escola. São importantes? Claro, sem sombra de dúvida!!! O problema é que as demais formas de Inteligência não sejam devidamente consideradas, sejam deixadas de lado.

Se os educadores tiverem conhecimento da inter-relação entre neuroplasticidade  e o processo de aprendizagem, poderão ter maior clareza da importância de  instigar novas aquisições, inovar, propor atividades que estimulem motricidade, cognição, emoções e as relações, e que sejam significativas para as crianças, gerando maior desenvolvimento.

 

http://www.olapais.com.br/blog/2019/01/18/nosso-blog-se-transformou-em-livro/

Fotos de meu arquivo pessoal e da web.

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