Estica, dobra, pula, roda, sobe e desce… Cansou? Que nada!!!!

Nenhuma criatura jovem pode conservar seu corpo ou sua voz sossegados; elas estão continuamente tentando produzir movimentos e ruídos. Pulam e saltitam, dançam e fazem travessuras como se estivessem sempre em júbilo, e voltam a emitir gritos de todos os tipos (Platão).

Pois é, já na Antiguidade, o sábio grego observava que criança não vive sem movimento. E olhe que, naquela época, criança ainda não tinha voz (e nem vez). Não foram poucos os estudiosos da infância que reafirmaram isso, analisando sua importância para o desenvolvimento infantil. Mas por que será que este controle do corpo ainda é tão persistente? Por que ainda se acredita que para aprender é necessário estar sentado eCaneta e régua? Não!! Um avião quieto? Pesquisas apontam claramente alguns pontos mais evidentes, embora não sejam os únicos:

Primeiro porque a dinamicidade natural dos corpos das crianças pode ser controlada com mais facilidade se estas estiverem sentadas e contidas pelas mesinhas, o que assegura a autoridade do professor, pelo menos em tese, livrando-o do que é o terror da maioria: a bagunça. Mas será mesmo que movimento é a mesma coisa que confusão e gritaria? Que sempre causa desordem? E, infelizmente, isso se mostra também em turmas de Educação Infantil em que o movimento é essencial para o desenvolvimento saudável da criança. Mas a criança, quando não pode se mover, sempre encontra um meio de burlar este controle, como mostra a foto em que uma caneta e uma régua se transformam em um avião que voa escondido.

Segundo porque se tem a ideia absolutamente errônea de que o movimento atrapalha a aprendizagem da criança, tirando-lhe a atenção e a concentração. Entretanto os estudos de Henry Wallon apontam a relação íntima entre inteligência e movimento, e a “incapacidade” de a criança mais nova ficar quieta por um tempo mais longo. Na verdade, ela não tem, ainda, condições de desenvolvimento para isso.

Terceiro porque os professores, por considerarem que é o mais adequado e/ou devido a lhes trazer maior segurança, repetem a fórmula com que foram escolarizados, repetem o já conhecido.

É importante analisar essa questão por outro ponto de vista: não seria a excessiva falta de movimento, esta expressão necessária da criança que descobre o mundo e em quem vibra curiosidade e energia, que gera a falta de concentração e de atenção? A agitação excessiva não seria fruto dessa energia, que parece inesgotável, que está contida e que busca se expressar e que precisa ser gasta a todo custo? Além do mais, estabelecer regras e limites faz parte da brincadeira. Ou não faz?

O RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que tem o movimento como um dos eixos considerados fundamentais ao desenvolvimento infantil, alerta quanto às rígidas restrições posturais que buscam suprimir a mobilidade das crianças, impondo-lhes longos períodos em que não devem se mover, sendo qualquer deslocamento ou gesto, qualquer mudança de posição vistos como desordem ou indisciplina. Mas as transgressões são inevitáveis, pois o corpo precisa se mover. E quando falo em movimento não me refiro apenas às brincadeiras ou jogos Resistênciaque exigem espaço mais amplo como jogar bola, brincar de pique, pular corda ou amarelinha, mas também àquelas que se adequam à sala de aula como passa-anel, jogos cantados, jogos teatrais ou as outras possibilidades de que falamos em artigos anteriores. Também a dimensão subjetiva do movimento precisa estar presente de forma que se explore a comunicação gestual, a percepção de emoções, a expressão de sentimentos (o que será aprofundado em outro artigo).

É fundamental que a educação escolar incorpore, em seu processo pedagógico, o desenvolvimento de atividades que permitam à criança conhecer o mundo,  conhecer   a   si   própria   como   sujeito   com   condições   de   atuar   neste   mundo   e   de transformá-lo. E o autoconhecimento, processo que dura a vida toda e que pode (e deve) se iniciar na infância, implica, inicialmente, o conhecimento do próprio corpo, dos sentidos e de sua estimulação, de diferentes linguagens expressivas como a corporal ou a musical, da identificação gradual daquilo que é sentido. Nosso corpo traz o mundo para nós e também registra nossas múltiplas experiências: a alegria, a confiança, a perda, a dor, o medo, o prazer… E isso deve fazer parte da aprendizagem, isso precisa ser, também, trabalhado. A aprendizagem emocional é tão importante quanto a intelectual e a motora. Afinal, somos uma totalidade, lembra?

O mundo real, a fantasia, a ludicidade e o movimento se mesclam na infância em uma tessitura de muitas cores e de muitas expressões. Aos poucos, a criança começa a perceber a realidade de forma mais crítica e objetiva, a cognição se sobrepõe à emoção e ao movimento, o que ocorre por volta dos seis anos de idade, quando tem início o ensino fundamental que não deve, também, tirar a ludicidade da vida da criança. E, por isso reitero a importância essencial do movimento e do lúdico.

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A dissociação entre o real e o lúdico não deve ser impingida à criança a título de fazê-la crescer “a ferro e fogo”. Interferir neste processo é uma forma de violência que pode lhe trazer muitos danos (É como tentar liberar a borboleta de seu casulo antes do tempo. Ela não conseguirá voar). Não é à toa, como discutimos anteriormente, que a brincadeira é fundamental para a elaboração de situações que a criança ainda não consegue entender. Não podemos esquecer que a criança não pensa, sente ou age como nós, adultos (embora nós ajamos como criança em determinadas situações, não é mesmo?).

As atividades da criança devem ter sentido para ela, devem expressar vida, envolvê-la, não serem mecânicas, ou seja, devem ser lúdicas e criativas. Caso contrário se cria dispersão e desinteresse. Crianças (e mesmo jovens e adultos) que se envolvem em atividades lúdicas e criativas entram em maior contato consigo, o que lhes abre portas para descobrir o mundo, lançar-lhe um outro olhar, criar novas possibilidades de construir saídas, conhecimento e compreender a realidade.

Educar não é homogeneizar, igualar, produzir em massa, mas estimular as singularidades e potencialidades de cada ser; não é dar respostas prontas, mas ensinar a buscá-las; educar é trabalhar a corporeidade, considerando o sentir-pensar-agir. Educar é humanizar.

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As fotos foram retiradas das dissertações de Mônica Cristina Neto e Patrícia Vieira Bonfim por mim orientadas. Com Patrícia escrevi o capítulo cujo link está ao final para quem desejar aprofundar mais o assunto.

Depois de tanto movimento, no próximo texto, vamos pensar possibilidades de levar às crianças atividades que as ajudem a expressarem suas emoções e a lidar melhor com elas.

Deixem seus comentários e perguntas ou sugestões no espaço abaixo. Seu retorno é muito importante para mim.

Até a próxima!!

https://books.google.com.br/books?id=MV126jYry7IC&pg=PA88&lpg=PA88&dq=corporeidade+lucia+helena+pena+pereira&source=bl&ots=VtyD8FPKlb&sig=ER2_PQHGEz_Px3Zo17Qec5B6MJw&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiCz5W9gJXOAhVEj5AKHRskCz4Q6AEIRzAG#v=onepage&q=corporeidade%20lucia%20helena%20pena%20pereira&f=false

 

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.

Comments
  • 09-agosto-2016 at 18:01

    Boa tarde, Lucia!

    O seu texto apresenta reflexões interessantes sobre alguns aspectos que, algumas vezes, não são compreendidos por aqueles que visitam as escolas. Uma aparente desordem na sala de aula, por exemplo, nem sempre significa falta de planejamento por parte do professor ou falta de envolvimento por parte da criança. A questão é que, erroneamente, o movimento corporal ainda é confundido em nossa sociedade como um processo que se opõe à aprendizagem. Foi muito bom você enfatizar isso no texto, parabéns!
    Uma outra questão que você nos ajuda a pensar é sobre o silenciamento do corpo na escola. Frequentemente, nós, educadores, não temos um olhar tão cuidadoso, como deveríamos, para aquela criança que está quieta demais, que não interage, que não quer brincar.
    Um abraço carinhoso!

    • 09-agosto-2016 at 20:01

      Olá, Patrícia, fico feliz que tenha gostado e agradeço por trazer observações tão pertinentes. São aspectos que, de fato, precisam ser observados e reconsiderados.
      Reitero a importância de observar a criança muito quieta, que muitos professores têm como o aluno ideal, mas que exige maior atenção e cuidado, pois tal excesso de quietude e/ou de não participação pode ser indício de que algo não vai bem.
      Nossa parceria continua, não é?
      Grande beijo

  • 08-agosto-2016 at 12:21

    Amei o artigo Lucia! Acho essa reflexão totalmente pertinente, pois ainda vivenciamos nas escolas essa “violência” contra nossos pequenos. A leitura desse artigo também é válida para pais e familiares. Estar esclarecido quanto a importância do desenvolvimento infantil em sua totalidade, ainda é uma temática desconhecida por muitas pessoas. Vou compartilhar e já estou louca para ler a continuação no próximo artigo. Parabéns!!!

    • 08-agosto-2016 at 14:28

      Que bom que gostou, Juliana! Agradeço muito sua contribuição, este retorno me aponta possibilidades de caminho. Concordo com você, a leitura é válida e importante para pais e familiares para que compreendam o porquê do movimento na escola, não apenas o que muitos cobram quanto aos trabalhinhos, o que se deve, na maioria das vezes, ao desconhecimento da temática.
      Beijos pra você

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