Música, sensibilização e aprendizagem

 

Uma das funções do ritmo em nós é a integração das diversas partes

do nosso organismo e a sua harmonização com os ritmos exteriores:

(…) O ritmo é o equilíbrio (…) que sustenta nossas emoções;

é a base de todo movimento humano no espaço, incluindo a música.

Carlos Fregtman

 

Como enfatizei na última postagem, a música é uma linguagem tão valiosa quanto a linguagem verbal (conceitual). Seu poder terapêutico, artístico e pedagógico é ilimitado, pois ela se integra a pensamentos, sentimentos e percepções sensoriais nos níveis mais profundos da personalidade. Trabalhar uma educação estética através da arte é possibilitar que se desenvolva uma personalidade capaz de harmonizar o indivíduo e as relações que ele estabelece com o mundo que o cerca. E isso vale para suas relações intra e interpessoais, assim como para lidar com situações do seu cotidiano.

Yvonne Berge afirma que o trabalho corporal estimula a normalização das alterações rítmicas que ocorrem na transição da fase infantil para a fase adulta, que pode ser perturbada por numerosos fatores psicológicos. Alerta-nos que valorizar muito cedo a leitura e a reflexão abstrata, deixando de lado as capacidades sensoriais e motoras das crianças, é criar uma desordem rítmica que se reflete no modo como se movimentam, gerando coordenações instintivas desorganizadas, provocando desajeitamento. E trabalhar com ritmo, com música, é descobrir e estimular também o domínio espaço-temporal. Para reorganizar o ritmo cotidiano da vida (vejam que boa ideia!), ela propõe uma estratégia que uso muito no meu dia a dia e nas minhas aulas e que funciona muito bem: o deslocamento rítmico. Quando nos sentirmos sobrecarregados, tensos, esgotados, podemos inverter a ordem e/ou o ritmo das nossas atividades. Minha vivência em sala de aula e em trabalho com grupos de professores tem comprovado sua eficiência. Quebrar a rotina, sentir o ritmo da turma e adaptar-se a ele, aproveitar um determinado momento alterando a ordem prevista são, sem sombra de dúvidas, formas de alcançar bons resultados com menos esforço.

Como bem observa Berge, saber extrair energias das fontes do silêncio e distensão e, principalmente, tomar consciência de que o ritmo vivo é muito mais importante do que o rendimento são coisas essenciais, que parecem ter sido esquecidas há muito tempo. Com crianças isso é fantástico, uma cantiga com movimentos ou brincadeiras rítmicas na própria mesinha ou em outro lugar já possibilita que a criança, que vai ficando cada vez mais dispersa e agitada, retorne a um estado de maior tranquilidade e atenção. Vale ter algumas “cartas na manga”.

A música, por ser uma manifestação do sensível, da Arte, geralmente, é vista como um elemento que atua no hemisfério direito. Entretanto, por depender de outras funções como a memória e a análise localizadas no lado esquerdo, o aprendizado musical depende dos dois hemisférios. Estudos comprovam que atividades simples como acompanhar uma música mentalmente, com instrumentos de percussão, ou cantá-la, já é o suficiente para promover uma ativação cerebral. Naturalmente que tocar um instrumento, traz uma atividade cerebral muito mais intensa. De qualquer forma há um estímulo à neuroplasticidade.

Quanto maior o número de estímulos musicais no ambiente escolar (ou em outros ambientes), maior será a atividade cerebral, maior será a formação de novos neurônios. A criança tem uma grande plasticidade cerebral, que embora seja menor no adulto, também pode lhe trazer benefícios.

Cabe lembrar que aquilo que é significativo para a criança (e para os adultos também), que é prazeroso, que é lúdico tem uma atuação muito maior no campo da aprendizagem, da atenção e da memória. E a música tem essa característica de dar prazer, naturalmente dependendo de que se considerem gostos e idades.

Algo de essencial se perde se as vivências estéticas não forem oferecidas pelo sistema educacional. Tais experiências não são o mais importante por si sós, mais importante é a qualidade que está além, que como observei no texto anterior não nos torna artistas, mas seres melhores porque mais humanos. As crianças cantam, fazem rimas, brincam com sons, dançam, desenham e, ao mesmo tempo, orientam-se no seu espaço vital, giram, descem, sobem, descobrem conexões, desenvolvem sua imaginação, dando-lhe forma expressiva. Vivências estéticas criam simbolismos, ajudam a lidar com emoções de uma forma própria a cada pequeno. Temos ainda a possibilidade de vivenciar emoções que aproximem as crianças, estimulando a empatia; ajudar nosso cérebro a criar novas conexões, novos caminhos através das emoções despertadas, novas percepções de mundo. Apreciar, dançar, cantar muitas e variadas músicas proporciona formas criativas para transformar, reconstruir e reintegrar as ideias em novos significados. Traz possibilidades de se desenvolver uma percepção musical mais apurada. Para isso, podemos usar o canto, sons diferenciados (incluindo os do ambiente e os dos instrumentos construídos) ou um Cd.

No texto anterior, sugeri algumas possibilidades de trabalhar música e sons com a criança e elenquei alguns benefícios das experiências musicais como a expressão criativa, o desenvolvimento da atenção, do equilíbrio e do autoconhecimento. Acrescento aqui algumas possibilidades que se relacionam com o hemisfério esquerdo do nosso cérebro: trabalhar a memória, habilidades motoras, coordenação corporal. E outras que se relacionam ao hemisfério direito: desenvolver a imaginação, a criatividade, a harmonia, estimular a fruição, a sensibilidade, a intuição.

O musicoterapeuta Carlos Fregtman aborda a má utilização do hemisfério direito do cérebro onde possuímos faculdades intuitivas e afetivas. Observa que muitos só consideram o hemisfério esquerdo como digno de ser levado em conta por ali se localizaram nossas faculdades cognitivas, racionais; nossa consciência verbal e analítica. O hemisfério direito, muitas vezes deixado de lado, se relaciona com a visão tridimensional, o reconhecimento das formas e contornos, as faculdades musicais, artísticas e o raciocínio holístico. Mas, como frisa o autor, as grandes atividades criadoras surgem da combinação e da ação conjunta de ambos os hemisférios. Lembra-nos o musicoterapeuta que nossa totalidade como pessoa exige a união dos lados esquerdo e direito, da percepção diferenciada de cada um deles, que, na verdade, são complementares.

Visto que desde a mais simples até a mais complexa atividade musical existe atividade cerebral isolada, integrada ou simultânea, é preciso considerar que a educação musical na escola proporcionará ganhos consideráveis para a criança e para qualquer outra faixa etária. É imprescindível, portanto, considerar a musicalização muito além de um passatempo ou preenchimento de tempo vago, deve ser considerada tão importante quanto qualquer outra área de conhecimento.

Seus comentários, perguntas e sugestões são sempre bem-vindos. Deixe-os no nosso site, assim que puder responderei.

Grande abraço e até nosso próximo artigo!

A fotos foram retiradas da web.

 

 

Arte e educação emocional

No último artigo, analisei a importância da Arte para o desenvolvimento infantil, e vimos que, para que sejam atividades ricas e não castradoras, elas precisam dar espaço à expressão criativa, à sensibilidade, à intuição, à fantasia, à percepção da criança, à autonomia, não devendo ser utilizadas apenas para exercitar a coordenação motora, fazer cópias de modelos, ensinar cores, cantar para manter a ordem ou direcionar uma atividade, entre outras que não podem ser denominadas de atividades artísticas.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes (PCNs), encontramos um trecho que me parece muito significativo para reflexão: “O ser humano que não conhece a arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida”. Embora este documento apresente as diretrizes para o Ensino Fundamental, ou seja, para crianças a partir dos seis anos, é na Educação Infantil que a criança inicia suas experiências no campo das manifestações artísticas, essenciais para seu desenvolvimento integral – cognição, motricidade, afetividade, relações interpessoais e espiritualidade, seu potencial para se tornar uma pessoa melhor.

E que criança não é contagiada pela música e pela dança?  Pelos jogos teatrais em que podem dar vida a seus mundos imaginários, seja com o próprio corpo ou com fantoches? Para que mundos mágicos a leva uma história, uma pintura, um desenho ou uma escultura? São muitas as possibilidades de vivenciar a arte, seja na escola ou em outros espaços, incluindo o espaço de nossas casas.

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Em artigos anteriores – Expressão e organização das emoções na ponta dos lápis de cor e Conta outra vez?!Abrindo as portas de um mundo encantado… e encantador, analisei a importância do desenho para as crianças e das histórias infantis, por isso não me deterei nestas manifestações tão significativas  e especiais para nossos pequenos.  Vamos ver um pouco de outras formas expressivas.

A música

Ainda no ventre da mãe, os ritmos envolvem o bebê: os batimentos cardíacos da mãe, seus sons viscerais, o pulsar da placenta. Com o nascimento, ampliam-se as experimentações sonoras e rítmicas. As canções de ninar e o balanço do colo o envolvem em aconchego e proteção. A pulsação rítmica é algo que faz parte de sua vida, que lhe é familiar e natural.

O trabalho com a música na Educação Infantil deve valorizar múltiplas fontes sonoras: brinquedos e objetos do cotidiano (como sininhos, chocalhos, caixinhas e latinhas com grãos com sonoridades diferentes), que vão ajudando a criança a discriminar sons diversos. Também os instrumentos musicais são muito bem-vindos e desejáveis. Ainda com poucos meses, minha neta participava vivamente quando o pai tocava violão para ela. Dava gritinhos, agitava pernas e braços, sacudindo todo o corpo sem tirar os olhos dele. Eram momentos deliciosos de presenciar.

É muito importante enfatizar que o primeiro instrumento é o próprio corpo, grande fonte de produção sonora: a voz, sons diversos feitos com a boca, com as mãos, com os pés. Cantar e fazer movimentos são outra forma de expressão que agrada muito a criança e a ajuda a estimular sua coordenação motora, lateralidade e ritmo.

Atividades com a música ajudam a desenvolver na criança a percepção, a sensibilidade, a atenção, a imaginação, a curiosidade, a organização de ideias. Podemos brincar com o andamento da música (mais lento, um pouco mais rápido, acelerado), com o grave e o agudo, alto e baixo, sons de diferentes instrumentos (piano, violão, tambor, pandeiro, reco-reco, etc). E tudo se transforma em uma grande brincadeira. Por falar em brincadeira, relembro que as atividades artísticas para os pequenos são essencialmente lúdicas.

Vale enfatizar o poder da música sobre as crianças, inclusive sobre aquelas que têm necessidades especiais. A linguagem musical estimula o autoconhecimento e o equilíbrio, acalma e estimula, favorecendo, ainda, a interação. Tive a oportunidade de trabalhar com professoras da APAE e/ou que tinham turmas com alunos especiais que me contavam, muito animadas, resultados muito significativos quando utilizavam a música com seus pequenos após nossas aulas.

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A dança

A dança para a criança pequena pode ser compreendida como uma maneira de a criança explorar o seu potencial, expandindo suas possibilidades de deslocamento no espaço e de exploração deste espaço e do movimento. Possibilidades, também, de estabelecer relações com outras crianças, trabalhar o ritmo, o equilíbrio e a coordenação a partir de gestos, assim como expressar seus sentimentos. Ela tem a rica oportunidade de experimentar a si mesma, seus limites; de perceber-se e perceber o outro. É claro que ela tem essas possibilidades através de outros movimentos, entretanto, na dança, ela poderá usar seu corpo com expressividade e com a ajuda da música que abre novas possibilidades como vimos acima.

Jogos teatrais

Os jogos teatrais ou dramáticos são uma modalidade artística fundamental no processo de formação da criança, uma vez que fornecem bases para se trabalhar a criatividade, a socialização, a integração grupal, a imaginação, a flexibilidade, as emoções, o corpo, a memória. Importante não desvalorizar a espontaneidade lúdica e criativa tão característica da criança pequena, exigindo-lhe movimentos estereotipados ou rígidos. Deixe que improvisem, que se apropriem do “texto”, que fiquem descontraídas, que sua linguagem corporal possa fluir. Essas atividades as ajudam a ter noção de tempo, de sequência, de organização e de improvisação de histórias. Uma forma que funciona bem com os menores é ir contando uma história para que eles a “representem”.

Lembro que um de meus filhos, na festinha das mães, era um passarinho que, em vez de voar em volta da flor (uma amiguinha de quem gostava), talvez assustado, ficou parado juntinho dela. E a professora, provocando risos da assistência, brincou: “Um passarinho ficou cansado e parou para descansar”. Isso foi um ótimo exemplo de como precisamos ser flexíveis quando educamos crianças e de como nosso entusiasmo contagia, pois, depois do comentário, ele “voou” um pouquinho. Também vale observar que as representações não precisam ter assistência que não a própria turminha.

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As expressões plásticas (desenhos, pinturas, modelagem) e as outras formas de expressão artística estimulam o senso de si, o pertencimento da criança ao grupo, a autoestima, a autovalorização e a autoexpressão, aspectos essenciais para o desenvolvimento mais equilibrado de nossos pequenos. Vale enfatizar que todos nós temos potencial artístico e criativo, mas ele precisa ser desenvolvido, potencializado.

Arte e educação emocional – primeiras reflexões

Estas habilidades e qualidades que a criança desenvolve através das múltiplas expressões artísticas são também formas de trabalhar sua inteligência emocional. A inteligência emocional é definida por Daniel Goleman como a “capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos”. Quando falamos de educação emocional estamos nos referindo a desenvolver essa forma de inteligência. Falamos de desenvolver a inteligência intrapessoal (autoconhecimento) e a interpessoal (relações estabelecidas).

É ser capaz de reconhecer e lidar apropriadamente com emoções e sentimentos que surgem como a raiva e o medo com que a criança (e todos nós) se depara com frequência. E este é um ponto fundamental de compreensão: não se trata de não sentir raiva, ciúme ou frustração. Trata-se de saber lidar com emoções que nos assaltam. Pessoas que desenvolvem o equilíbrio, a solidariedade, o respeito pelo outro, a amorosidade, a empatia têm maiores chances de boas relações e de estarem bem consigo mesmas.

Vivemos um momento em que o descuido, o descaso, a insensibilidade se mostram de muitas formas e em várias áreas da sociedade. Corrupção, jogos de poder, interesses corporativos, educação solapada e saúde em crise. Próteses e cirurgias desnecessárias, remédios vencidos sem a distribuição aos que deles necessitam, escolas sem condições mínimas que favoreçam a aprendizagem. Formas dolorosas de violência contra os mais pobres e nas relações interpessoais. Desquilíbrio ecológico e destruição da natureza.

Leonardo Boff enfatiza: “Não há cuidado pela inteligência emocional, pelo imaginário e pelos anjos e demônios que o habitam. (…) Há um abandono da reverência, indispensável para cuidar da vida e de sua fragilidade”.

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Há falta de solidariedade, de respeito, de humanidade, o que nos caracteriza como seres humanos. E a arte nos possibilita a sensibilização e a empatia de que tanto se necessita, o respeito ao diferente, tanto pessoal quanto social. A arte nos torna mais humanos e educa nossas emoções. Precisamos de mais arte.

Grande abraço e até a próxima.

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