Frustrar ou não frustrar a criança: eis a questão

Quando falamos em frustrações sofridas pelas crianças, temos que tecer algumas reflexões sobre atitudes que podem ser tomadas em relação aos pequenos e às quais precisamos estar atentos. Afetividade, motricidade e cognição estão permanentemente envolvidas na aprendizagem como vimos no último post. As tendências naturais para o movimento e para sua expressão são, desde os primeiros anos, prejudicadas pela prioridade dada à formação intelectual em detrimento do desenvolvimento corporal. E assim, não há uma harmonização entre inteligência, sensações e necessidades básicas, criando-se uma desordem psicossomática que se manifesta cada vez com maior frequência e que pode se traduzir por tensões, ansiedade, perturbações respiratórias, dificuldades de aprendizagem e perda da espontaneidade.

Segundo Wilhelm Reich, um dos primeiros a sistematizar a relação entre o corpo e o psiquismo em inícios do século passado, apesar de todo anseio natural pela liberdade e pela vivacidade, as crianças contêm seus impulsos quando não há um ambiente natural propício ao desenvolvimento de sua vitalidade sadia. Muitas vezes, a criança sofre pressões para assumir atitudes que contrariam necessidades essenciais que acabam por fazê-la assumir uma atitude rígida e não-natural. Por exemplo: uma criança muda de posição inúmeras vezes ao realizar uma atividade; inclina o corpo, o movimenta de acordo com o que realiza com as mãos, se alonga, se dobra, senta-se sobre os pés, se levanta; se agita mais quando está alegre ou narra uma aventura, enfim, pensa, sente e age com todo o corpo. Como exigir que fique sentada imóvel durante muito tempo na escola? Isso contraria uma dessas necessidades básicas: o movimento.

Quando o educador despreza potencialidades infantis, vendo suas necessidades de contato, movimento e brincadeira, apenas como fonte de transgressão ou impedimentos para a aprendizagem, corre-se o risco de realmente se queimarem etapas do desenvolvimento das crianças, impedindo-as de desfrutarem a infância em sua plenitude. Para a criança da educação infantil e séries iniciais torna-se evidente a necessidade do trabalho intelectual conectado ao trabalho motor, lúdico e expressivo para que a criança atinja patamares mais elevados no processo de aprendizagem.

É importante que os sentimentos da criança sejam reconhecidos; que ela seja estimulada a vencer desafios e superar dificuldades, mas sem críticas e castigos duros, sem palavras ou atitudes violentas se ainda não conseguiu chegar lá; elogios pontuais são sempre bem-vindos, e os erros podem ser mostrados com amorosidade. E, também, dar-lhes autonomia de escolhas sempre que possível e quando não prejudicar a disciplina necessária. É claro que não podemos deixar que tenha atitudes como fazer birra, se não tem um desejo atendido, pois, lidar com a frustração faz parte do crescimento, mas podemos sim admitir que ela tem o direito de ficar zangada e de dizer ou demonstrar isso, mas não podemos permitir que morda a coleguinha ou chute a professora, que jogue objetos ou grite descontroladamente. As emoções precisam ser trabalhadas e educadas também.

Para Reich, a frustração desde que em graus toleráveis faz parte do processo educacional.  A criança não pode ter tudo o que quer, precisa também saber ouvir nãos. Também nós, adultos, precisamos desta aprendizagem. Afinal, a vida não atende a todos os nossos desejos, e maturidade emocional é saber aceitar isso e ter os meios para seguir em frente. Esta é a base da resiliência.

Entretanto, quando o ambiente escolar e/ou familiar é cercado por uma atmosfera de frustração constante, forma-se na criança um caráter inibido e sem autonomia, o que é prejudicial para seu desenvolvimento. Entretanto, se o educador não tem autoridade, assumindo uma atitude muito permissiva, criam-se crianças sem limites. E todos nós sabemos da importância de estabelecer limites para a vida social, familiar e escolar. Relações interpessoais saudáveis exigem que existam normas de convivência.

De acordo com Reich, uma prática educativa saudável seria aquela em que o professor e/ou os pais colocam limites, algumas regras que podem causar descontentamentos, mas que ajudam no desenvolvimento infantil, sem, no entanto, causar inibição através de repressões, críticas e censuras excessivas, o que gera o encouraçamento, de que falaremos em breve. Educar com amor e autoridade ao mesmo tempo seria a medida ideal para a formação dos nossos pequenos.

Dúvidas, sugestões ou comentários? Deixe seu recadinho que responderei logo que possível.

Grande abraço e até lá

Resiliência: aprendizagem necessária

A palavra resiliência nem sempre, ao ser usada, se mostra compatível ao conceito que representa ou à sua complexidade, o que acontece, com frequência, com assuntos que são mais comentados ou que “estão na moda”. Modismos à parte, é muito importante que, da infância à idade mais avançada, nossa capacidade resiliente seja estimulada. Minha intenção é falar um pouco sobre isso de modo a contribuir, especialmente, com professores, pais e todos aqueles que estão envolvidos com crianças, uma vez que desenvolver a resiliência significa criar possibilidades de uma vida com mais qualidade, equilíbrio e flexibilidade.

Resiliência é um conceito que veio das ciências físicas, referindo-se à capacidade de materiais voltarem à sua forma original quando cessa a pressão exercida sobre eles. Podemos visualizar essa ideia facilmente se pensarmos em um elástico que volta ao seu tamanho quando deixa de ser puxado ou em uma esponja que, se apertada, muda de aparência, mas quando a pressão da mão deixa de existir, ela retorna ao seu aspecto inicial.

Transferindo este conceito para as ciências humanas e sociais, a resiliência se expressa na capacidade de um indivíduo ou de um grupo enfrentar as adversidades de forma a superá-las. Isso não significa ser invulnerável, ou seja, passar pelo problema sem ser afetado, e sim de ser capaz de encontrar respostas positivas para as situações, mesmo com a existência de dor, angústia e de conflitos. Significa poder continuar a viver de forma participativa e produtiva; ser capaz de se reconstruir, de se comprometer com a vida, sem “entregar os pontos”. Ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” como apregoa uma conhecida canção popular.

A resiliência tem se mostrado muito importante nos estudos, nas teorias e pesquisas sobre desenvolvimento infantil e saúde mental, se mostra também como um novo caminho a ser percorrido na busca de crescimento pessoal e de integração social.

Cada pessoa tem sua forma própria de lidar com as dificuldades. Algumas “desmoronam” por muito pouco, outras “balançam”, mas conseguem se refazer; há ainda as que se desesperam ou se revoltam e, desnorteadas, não conseguem encontrar saídas. O importante é saber que a capacidade resiliente pode ser desenvolvida, que não é algo inato, isto é, não é algo com que já nascemos; que há momentos em que podemos estar mais fragilizados que em outros.

Estudiosos afirmam que quando o indivíduo consegue resistir a situações potencialmente desfavoráveis, ele pode neutralizar ou diminuir suas consequências negativas, inclusive vindo tais adversidades a contribuir para sua flexibilidade e o seu amadurecimento, aumentando sua capacidade resiliente.

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A brincadeira, a alegria e o apoio afetivo ajudam a criança a passar por momentos difíceis.

As crianças iniciam suas experiências em família e esta tem um papel fundamental de lhe trazer segurança, afeto e limites. Um ambiente familiar que proporcione tais aspectos à criança, facilita muito um contexto saudável e de apoio ao seu crescimento. Ao entrar na escola, surgem os amiguinhos, a linguagem se expande, as relações sociais na mesma faixa etária se ampliam. Os novos vínculos criados no ambiente escolar aumentam os fatores de resiliência na criança.

Cabe aos pais (ou responsáveis) estimular os processos de adaptação e de interação dos pequenos para melhorar o convívio com parentes, vizinhos, coleguinhas, professores e demais pessoas que participam da vida da criança. Daí, também, a importância de não se fazerem críticas na sua frente à escola, ao professor, etc para que aprendam a respeitá-los.

Quais as características do ser resiliente?

José Tavares, estudioso de resiliência e educação, aponta cinco características que considero fundamentais para serem trabalhadas desde a primeira infância: autoestima, criatividade, autonomia, flexibilidade e vínculos afetivos. A autoestima positiva permite a autoaceitação e o respeito a si mesmo e ao outro, ajuda a aceitar críticas e saber usá-las em favor próprio. A criatividade permite buscar formas diferenciadas de resolver ou fazer algo, de solucionar um problema, de encontrar um meio de expressar alguma coisa. Ter autonomia é ser capaz de buscar as próprias soluções considerando regras, valores, a perspectiva pessoal e a do outro. É ter competência para atuar no seu mundo. A flexibilidade é a capacidade que permite produzir mudanças no modo de agir ou reagir de acordo com o momento, buscar respostas alternativas para solucionar problemas, elaborar respostas mais adequadas para uma situação. Em sentido mais amplo, é poder se adaptar a novas circunstâncias, superar dificuldades ou obstáculos.

Os vínculos afetivos são um ponto crucial para o fortalecimento da capacidade resiliente, merecendo algumas observações. As relações familiares são os primeiros vínculos estabelecidos e que, hoje, assumem formas diferenciadas de constituição. A organização pai, mãe e filhos já não é necessariamente a apresentação mais comum. Podemos ter pai ou mãe com seus filhos, casais homossexuais em que há duas mães ou dois pais, famílias de novos casamentos que, ainda, podem unir filhos de casamentos diferentes, crianças criadas por avós, enfim, um grande mosaico de possibilidades. Outro ponto importante a considerar é que, atualmente, de modo geral, ambos os cônjuges precisam trabalhar, ficando a criança mais tempo sem a sua companhia. E são muitos os desdobramentos destas, muitas vezes, complicadas organizações.

Vínculos afetivos trazem segurança, aspecto essencial para o desenvolvimento saudável

Nesse contexto, é muito importante que a criança se sinta acolhida, amada, que tenha regras e autoridade dos responsáveis bem estabelecidas, limites claros no contexto familiar e uma rotina instituída. Estes pontos são fundamentais para que se sinta segura e saiba não só de seus direitos, mas também de seus deveres. Que não seja o reizinho ou a princesinha da casa que dita todas as leis, a criança que ganha tudo o que quer porque os pais se sentem culpados de não terem tempo ou energia suficiente para estabelecerem os limites necessários. Estas posturas não são provas de amor, nem estabelecem os vínculos necessários que gerem segurança, respeito e confiança. Estas posturas infantis se refletirão nas suas relações, tendendo a gerar muitos conflitos na escola e na sociedade.

Se a criança se habitua a respeitar regras em casa, a ter limites estabelecidos, ficará muito mais fácil atender às regras e limites necessários na escola e na sociedade, o que temos visto não ser muito fácil para algumas crianças e adolescentes.

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Liberdade protegida é uma forma de cuidar e estimular a autonomia

A aprendizagem do respeito aos limites e ao outro começa sempre com a própria vivência do ser respeitado quando se é criança, de esta criança ter seus limites físicos ou emocionais também considerados; e da compreensão de que as regras são construídas para uma melhor convivência, e não impostas aleatoriamente. Ou seja, instituir regras é tão importante quanto a forma de fazê-lo, estabelecendo e discutindo em conjunto tais regras.

Quem tem filhos sabe o quanto os auxiliares são importantes em determinadas situações, sejam eles pessoas que trabalham para a família ou amigos, vizinhos e parentes que nos tiram de situações difíceis e que podem trazer nossos filhos da escola, acolhê-los numa emergência ou, até mesmo, levá-los ao médico ou à festa do coleguinha. Entretanto, cabe aos pais manter o comando e os cuidados da educação de seus filhos, estabelecer regras e limites, mostrar de forma clara o que pode ou não ser feito, o que é uma forma de amor. Assim como acolher, ouvir, dialogar, compreender, acarinhar também o é.

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Contar histórias: uma forma de dar atenção, carinho e aprendizagem

O amor é um vínculo poderoso e acredito que seja fundamental para que possamos sair das situações difíceis com mais inteireza e maior facilidade. Ter apoio da família torna tudo mais fácil para a criança. Da mesma forma que poder contar com laços de amorosidade amiga e confiança ajuda também a nós, adultos, a superar muitas crises.

No próximo artigo, continuaremos este assunto, pensando possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente através da arte. Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço logo abaixo. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos são de meu arquivo pessoal