Resiliência: a capacidade de prosseguir apesar de…

A palavra resiliência vem sendo muito usada atualmente, mas nem sempre se apresenta fiel ao conceito que representa ou à sua complexidade. Modismos à parte, é muito importante que todos nós – adultos, adolescentes, idosos e crianças – aprendamos a estimular nossa capacidade resiliente. Minha intenção neste artigo é apresentá-la de uma forma simples, mas não simplificada, de modo a contribuir, especialmente, com professores, pais e todos aqueles que estão envolvidos com crianças, uma vez que desenvolver a resiliência significa criar possibilidades de uma vida com mais qualidade e flexibilidade, ou seja, uma vida mais feliz para nós e para os que nos cercam.

Mas o que é, afinal, resiliência?

Resiliência, um conceito comumente empregado na Física e na Engenharia, refere-se à capacidade de materiais voltarem à sua forma original quando cessa a pressão exercida sobre eles. Podemos visualizar essa ideia facilmente se pensarmos em um elástico que volta ao seu tamanho quando deixa de ser puxado ou em uma esponja que, se apertada, muda de aparência, mas quando a pressão da mão deixa de existir, ela retorna ao seu aspecto inicial.

xtimidez.jpg.pagespeed.ic.ECyz6_9B_FTransferindo este conceito para as ciências humanas e sociais, a resiliência se expressa na capacidade de um indivíduo ou um grupo enfrentar as adversidades de forma a superá-las. Isso não significa ser invulnerável, ou seja, passar pelo problema sem ser afetado, e sim de ser capaz de encontrar respostas positivas para as situações, mesmo com a existência de dor, angústia e de conflitos. Significa poder continuar a viver de forma participativa e produtiva; ser capaz de se reconstruir, de se comprometer com a vida, sem “entregar os pontos”. Ser capaz de “levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima” como apregoa a conhecida canção popular.

Cada pessoa tem sua forma própria de lidar com as dificuldades. Algumas “desmoronam” por muito pouco, outras “balançam”, mas conseguem se refazer; há ainda as que se desesperam ou se revoltam e não conseguem encontrar saídas. O importante é saber que a capacidade resiliente pode ser desenvolvida, que não é algo inato, isto é, não é algo com que já nascemos; que há momentos em que podemos estar mais fragilizados que em outros.

Estudiosos afirmam que quando o indivíduo consegue resistir a situações potencialmente desfavoráveis, ele pode neutralizar ou diminuir suas consequências negativas, inclusive vindo tais adversidades a contribuir para sua flexibilidade e o seu amadurecimento, aumentando sua capacidade resiliente. Convivi com duas irmãs criadas em um ambiente de violência doméstica devido ao pai alcoólico. Uma delas, embora retraída, tinha um bom desempenho escolar, apresentando atitudes que denotavam amadurecimento para os seus seis anos; a outra, com sete anos, apresentava atitudes bastante agressivas e não conseguia acompanhar o ritmo da turma, tendo muitas dificuldades de interação.

Algumas características do ser resiliente

garota-triste-sofrendo-bullying-na-sala-de-aula-foto-monkey-business-imagesshutterstockcom-00000000000172C6José Tavares aponta  cinco características que considero fundamentais para serem trabalhadas desde a primeira infância: autoestima, criatividade, autonomia, flexibilidade e vínculos afetivos. A autoestima positiva permite a autoaceitação e o respeito a si mesmo e ao outro, ajuda a aceitar críticas e saber usá-las em favor próprio. A criatividade permite buscar formas diferenciadas de resolver ou fazer algo, de solucionar um problema, de encontrar um meio de expressar alguma coisa. Ter autonomia é ser capaz de buscar as próprias soluções considerando regras, valores, a perspectiva pessoal e a do outro. É ter competência para atuar no seu mundo. A flexibilidade é a capacidade que permite produzir mudanças no modo de agir ou reagir de acordo com o momento, buscar respostas alternativas para solucionar um problema, elaborar uma resposta mais adequada para uma dada situação. Em sentido mais amplo, é a capacidade de se adaptar a uma nova circunstância, a superar dificuldades ou obstáculos.

apoio familiarOs vínculos afetivos são, considerando as pesquisas que desenvolvi e a minha própria experiência como educadora, um ponto crucial para o fortalecimento da capacidade resiliente e sobre isso vale tecer algumas observações. As relações familiares são os primeiros vínculos que se estabelecem e, hoje, assumem formas diferenciadas de constituição. A organização pai, mãe e filhos já não é necessariamente a apresentação mais comum. Podemos ter pai ou mãe com seus filhos, casais homossexuais em que há duas mães ou dois pais, famílias de novos casamentos que, ainda, podem unir filhos de casamentos diferentes, crianças criadas por avós, enfim, um grande mosaico de possibilidades. Outro ponto importante a considerar é que, atualmente, de modo geral, ambos os cônjuges precisam trabalhar, ficando a criança mais tempo sem a sua companhia. E são muitos os desdobramentos destas, muitas vezes, complicadas organizações.

Nesse contexto, é muito importante que a criança se sinta acolhida, amada, que tenha regras e autoridade dos responsáveis bem estabelecidas, limites claros no contexto familiar e uma rotina instituída. Estes pontos são fundamentais para que se sinta segura e saiba não só de seus direitos, mas também de seus deveres. Que não seja o reizinho ou a princesinha da casa que dita todas as leis, a criança que ganha tudo o que quer porque os pais se sentem culpados de não terem tempo ou energia suficiente para estabelecerem os limites necessários. Estas posturas não são provas de amor, nem estabelecem os vínculos necessários que gerem segurança, respeito e confiança. Estas posturas infantis se refletirão nas suas relações, tendendo a gerar muitos conflitos na escola e na sociedade.

Isso não pode[5]Se a criança se habitua a respeitar regras em casa, a ter limites estabelecidos, ficará muito mais fácil atender às regras e limites necessários na escola e na sociedade, o que temos visto não ser muito fácil para algumas crianças e adolescentes.

A aprendizagem do respeito aos limites e ao outro começa sempre com a própria vivência do ser respeitado quando se é criança, de esta criança ter seus limites físicos ou emocionais também considerados; e da compreensão de que as regras são construídas para uma melhor convivência, e não impostas aleatoriamente. Ou seja, instituir regras é tão importante quanto a forma de fazê-lo, estabelecendo e discutindo em conjunto tais regras.

Quem tem filhos sabe o quanto os auxiliares são importantes em determinadas situações, sejam eles pessoas que trabalham para a família ou amigos, vizinhos e parentes que nos tiram de situações difíceis e que podem trazer nossos filhos da escola, acolhê-los numa emergência ou, até mesmo, levá-los ao médico ou à festa do coleguinha. Entretanto, cabe aos pais manter o comando e os cuidados da educação de seus filhos, estabelecer regras e limites, mostrar de forma clara o que pode ou não ser feito, o que é uma forma de amor. Assim como acolher, ouvir, dialogar, compreender, acarinhar também o é.

O amor é um vínculo poderoso e acredito que seja fundamental para que possamos sair das situações difíceis com mais inteireza e maior facilidade. Ter apoio da família torna tudo mais fácil para a criança. Da mesma forma, que poder contar com laços de amorosidade amiga e confiança ajuda também a nós, adultos, a superar muitas crises. Humberto Maturana afirma que “a maior parte do sofrimento humano surge com a negação do amor, e a maior parte da nossa falta de compreensão do sofrimento humano resulta da nossa falta de compreensão do papel fundamental que o amor desempenha na biologia humana”. Afirma, ainda, que sem amor, “não há respeito mútuo, não há respeito por si mesmo, não há colaboração, isto é, não há convivência social, só há comunidades nas quais se vive na dominação e na obediência, na competição e na negação mútua, na inveja, na apropriação do que é do outro, na agressão, sem consciência e sem responsabilidade individual e social, e, por último, sem ética”. Aprender a dar e receber amor é também aprender a ser resiliente e a ensinar resiliência.

No próximo artigo, continuaremos este assunto, pensando possibilidades de estimular nossa capacidade resiliente. Se tiver alguma dúvida em relação ao que foi apresentado, se algo não ficou claro, se tiver sugestões ou quiser fazer comentários, entre em contato conosco através do espaço abaixo no próprio site. Sua participação é sempre muito bem-vinda e significativa.

As fotos foram retiradas da web.

 

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Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.

Comments
  • 17-dezembro-2016 at 08:09

    Adorei o texto Lucia. Fico esperando a segunda parte…

    • 17-dezembro-2016 at 12:31

      Olá, Jaqueline,
      Obrigada pela sua leitura cuidadosa e pelo seu comentário. Fico feliz que tenha gostado. Em breve, retomaremos nossa parceria.
      Grande abraço

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