Em tempos de isolamento social – Parte 2

 

Antes de dar continuidade à nossa proposta de oferecer sugestões de atividades para os nossos pequenos nesses tempos de afastamento social, quero trazer algumas questões importantes que a estudiosa da Infância e pesquisadora Maria Cristina Soares de Gouvea da Universidade Federal de Minas Gerais aborda, e tecer algumas reflexões.

Como eu já havia pontuado antes, este momento é significativo pela aproximação da criança da sua família, e mais que isso, como afirma Gouvea, é um momento de reconstrução dos afetos e da solidariedade. Mas, para isso, é fundamental que os adultos não se furtem a tirar as dúvidas das crianças de forma clara, objetiva e lúdica quanto ao que está acontecendo. A criança tem que ser envolvida na responsabilidade do processo de proteção que se faz necessário. Como observei no último post, a criança percebe que há algo errado e sério acontecendo, mesmo que nada lhe seja dito. E são muitas as mudanças. “Sua anteninha”, que está sempre ligada, capta tudo o que acontece a sua volta.  Por isso mesmo, ela precisa saber, na medida da sua compreensão, o que está acontecendo e como se proteger. Uma boa forma de mostrar à criança de maneira lúdica a questão do vírus pode ser encontrada no link que coloquei abaixo, pelo qual se pode baixar o texto em pdf. Meus netos adoraram.

O tempo de exposição às telas de tevês, computadores e tablets precisa ser controlado. Substituir as telinhas por outras brincadeiras, ajuda a diminuir a irritabilidade e o tédio da criança.

Um segundo ponto que eu também já havia enfatizado, se refere aos meios de comunicação: tevê, celular e computador. Gouvea traz um novo alerta quanto à exposição da criança a estes meios de comunicação, apontando que o natural aumento dessa exposição devido ao isolamento não faz bem nem à saúde física nem à saúde mental da criança. Ela tende a aumentar sua irritabilidade e o seu tédio. Assim, ela aponta que é fundamental criar atividades físicas e lúdicas, recomendando que nós, adultos, dialoguemos com a criança e a infância que existem dentro da cada um de nós. Ao ouvir o áudio da Professora, lembrei-me de um dia, há pouco tempo atrás, em que meu filho e minha neta criaram duetos musicais modulando as vozes e inventando gestos, também das rodas de ciranda e jogos cantados que fizemos em família. Foi muito divertido. Uma outra atividade que sempre faz sucesso é brincar de “Seu Mestre Mandou”, que pode facilmente ser adaptado à faixa etária das crianças e propiciar movimento e ludicidade,  Da mesma forma, Jogos Cantados ou brincadeiras como Chicotinho Queimado também oportunizam o movimento necessário e o prazer da ludicidade. Não é difícil encontrá-los na internet nem fazer com que outros tantos revivam, vindos direto da nossa infância.

Nem sempre vem a ajuda, não é? Mas é sempre um momento de construção importante para a criança.

Também é importante que se construa uma rotina familiar que envolva a todos nas atividades domésticas. Assim, se pode combinar as tarefas de cada um (naturalmente de acordo com a idade e possibilidades infantis): colocar a mesa, arrumar a cama, alimentar os bichinhos de estimação, participar da produção das refeições, lavar a louça. Lavar a louça vira uma brincadeira assim como arrumar a mesa. Nas visitas de meus netos (antes da quarentena), percebo como curtem participar, se sentem importantes podendo ajudar. E se não ficar como gostaríamos, é só ensinar com jeitinho.

A pesquisadora apresenta uma questão que considero essencial e à qual tenho dado muita atenção. Este é um momento de manutenção e fortalecimentos dos laços mais próximos, especialmente com avós e tios. O pai da minha neta menorzinha, manda vídeos e eu respondo com outros vídeos. Outras vezes nos comunicamos ao vivo pelo zap, o que geralmente acontece com meu neto de oito anos anos. Também nos comunicamos com pequenos diálogos escritos. No caso de crianças mais velhas, os vídeos podem ser feitos por elas mesmas. O que não podemos é desconsiderar os laços de afeto, respeito e solidariedade que são importantes para ambas as partes.

Hoje vamos continuar com sugestões das atividades ludoartísticas, muito significativas neste momento que vivemos. Viktor Lowenfeld, estudioso de arte e psicologia, enfatiza o papel essencial da arte na educação das crianças. Pontua que, ao fazer desenhos, pinturas ou outras formas de construção artística, a criança realiza um processo complexo, pois une elementos variados de sua experiência para dar vida a um significado novo de uma totalidade. A criança une o que viu, o que sentiu, o que pensou e dá uma forma muito própria a isso. Ela busca compreender e dar sentidos a sua existência. Daí, o estudioso observar que a criança, mais que uma pintura ou escultura, cria uma parte de si mesma, um modo de interpretar e compreender o mundo.  E esta característica de a arte ajudar a criança na compreensão do que a cerca, neste momento que estamos vivenciando, volto a enfatizar, é de vital importância. Ela não consegue, muitas vezes, dizer como nós, através de palavras o que sente, mas a qualidade expressiva da arte pode ajudá-la. Assim, fazer arte não é um simples passatempo, é uma forma de comunicação consigo mesma, é importante para ela, para seus processos cognitivos, perceptuais, emocionais, sociais e para seu desenvolvimento criativo.

Sempre é bom lembrar que as atividades artísticas desenvolvem aspectos importantes do ser humano seja como indivíduo, seja como ser social como a intuição, a sensibilidade, a empatia (capacidade de compreensão e identificação com sentimentos do outro), a imaginação, a capacidade crítica e o pensamento divergente, que é a capacidade de pensar de forma original, de resolver algo de forma criativa, de encontrar soluções diferentes para um mesmo problema, tendo maior flexibilidade em lidar com situações.

No seu castelo, nossa menina se prepara para a festa.

Que tal preparar uma festa de aniversário?

Esta brincadeira pode estimular muito a criatividade da criança. Podemos começar pelos convites para a festa. A criança com a ajuda do adulto, se necessário, desenha ou pinta os convites em papeis cortados e dobrados ao meio. O bolo, os docinhos, as pipocas, os salgadinhos podem ser feitos com massinha de modelar ou até com massa caseira para modelagem. Papel colorido recortado ou branco pintado com tinta guache, aquarela, gizão de cera ou lápis de cor pode ser a toalha da mesa ou o painel da festa. Também pode ser o papel para embrulhar o presente para a/o aniversariante. O bolo, que pode ser uma vasilha plástica emborcada, se transforma num bolo todo enfeitado com confeitos de massinha. Os convidados? Todas as bonecas e bonecos, valendo comemorar o aniversário dos super-heróis ou super-heroínas e convidá-los para a festa. E a música não pode faltar. Nem as brincadeiras. Com certeza, outras ideias vão surgir!

Para quem mora em casa, pequenas flores, folhinhas, pedrinhas e galhos bem pequenos ajudam muito na decoração do bolo e dos convites também.

Contando histórias e ilustrando

A história pode ser contada pelo adulto ou a própria criança pode contá-la se já estiver lendo ou, também, narrar a história a partir da leitura das ilustrações. Uma atividade que agrada muitos as crianças é ilustrar a parte da história de que ela gostou mais. Também é muito prazeroso para os pequenos criar um personagem, dar-lhe um nome e criar uma situação em que ele esteja presente.

Dividir as brincadeira é um momento especial na vida de irmãos que, por enquanto, perderam os momentos escolares tão importantes para eles.

Vale enfatizar que a expressão livre, diferentemente de imagens mimeografadas permite que a criança expresse medos, angústias, e ouros sentimentos. As imagens prontas podem ter seu momento, mas não devem excluir a expressão infantil. Uma sugestão se você sentir que seus pequenos estão ansiosos: pedir que desenhem uma situação que os incomoda e, a seguir, propor que desenhem uma forma de resolver a questão. Quando trabalhava na dinamização de sala de leitura no município do Rio de Janeiro, uma das meninas do primeiro ano foi atropelada na frente da escola e o medo tomou conta de sua turminha e alguns choravam. Era meu dia de trabalhar com eles. Inventei uma história em que o menino caía do balanço e se machucava, mas que cada um de nós deveria imaginar uma forma de ele se recuperar totalmente, desenhá-la e contar para todos. Claramente, houve transferência da situação para a coleguinha machucada. Mas o mais interessante foram as formas que encontraram de curar o menino machucado da minha história (e da história real vivida pela coleguinha): o beijinho da mãe e da professora, injeções, carinho, perna engessada, varinha de condão de fada, poção do caldeirão da bruxa e outras tantas fórmulas. E a grande notícia: a ansiedade aos poucos foi se esvaindo junto com os traços do desenho.

Na próxima postagem continuamos. Por ora, ficamos por aqui. E você já sabe: solte a criatividade. Esta não está em quarentena. Se tiver fotos que possam me ajudar a ilustrar os textos ou brincadeiras que fizeram sucesso, me conte para que eu possa socializá-las.

https://ufrn.br/imprensa/noticias/34774/livro-infantil-mostra-criancas-enfrentando-virus

Deixe suas sugestões, dúvidas e comentários no espaço abaixo. Responderei logo que possível.

Grande abraço e até a próxima

As fotos são do meu arquivo pessoal e de Daniela Fantoni, a quem agradeço por compartilhar comigo duas fotos dos seus pequenos.

 

 

 

 

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.