Brincar é coisa séria, e muito prazerosa!

Olá, educadores!!!
Infelizmente, ainda se ouve muito, especialmente por parte dos pais, a afirmação de que escola não é para brincar, mas para estudar, para aprender. “Pra brincar, brinca em casa!”. Mas será que brinca? Será que é a mesma coisa? E os amiguinhos, e as trocas, e o estímulo precioso da professora? Será que em casa não fica grudado na televisão ou nos jogos eletrônicos? E, muitas vezes, os professores são cobrados pelos responsáveis: ” Mas hoje teve muita brincadeira e pouco trabalhinho!”. Pior de tudo: na Educação Infantil, quando é importante que habilidades básicas sejam trabalhadas para uma fase posterior em que há um predomínio cognitivo.

João Batista Freire observa que parece que somente as cabecinhas das crianças são matriculadas na escola, que o corpo fica do lado de fora. Na maioria das vezes, valoriza-se muito o intelecto, que se empanturra, enquanto as outras dimensões (afetiva, motora e social) sofrem de inanição. Analisemos esta questão com todo carinho que ela merece. Não é apenas a mente que aprende como mostram os estudos do neurocientista António Damásio, que comprovam que o ser humano é um todo indivisível. O corpo permite não apenas a manutenção da vida, mas também o funcionamento da mente normal. Quando investimos na visão de totalidade do ser, ou seja, na corporeidade, estamos investindo em um processo mais rico de ensino e aprendizagem da criança, estamos ampliando possibilidades da criação de diálogos com sua realidade, com a sociedade, lhe oportunizando descobertas, reflexões, estabelecimento de relações entre conceitos e com pessoas a partir das experiências vivenciadas.

Os estudos de Henri Wallon e Lev Vygotsky, grandes e conhecidos estudiosos da criança, apontam que brincar é fundamental ao seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Vygotsky afirma que brincar é uma atividade humana criadora, em que imaginação, fantasia e realidade interagem para que a criança formule novas possibilidades de interpretar seu entorno, se expressar, agir e interagir. Wallon aponta que, quando a criança se movimenta, explorando seu corpo, suas possibilidades de ação, também explora sua atividade psíquica, pois não somos formados por partes dissociadas, somos uma totalidade em movimento. Afirma, ainda, que a inteligência e o movimento mantêm estreita relação. As brincadeiras são uma possibilidade de lidar com as situações novas ou ainda não compreendidas em nível mental, possibilidade de ordenar e fixar as ideias.

As brincadeiras e os jogos, que são parte importante das atividades lúdicas, possibilitam que as crianças trabalhem com a perda e o ganho, com frustrações (afinal nem todas podem ganhar e nem todas podem ser a princesa do faz de conta), com o subjetivo e o objetivo, a fantasia e a realidade, pois as brincadeiras recriam a vida, trazem a vivência do que precisa ser entendido como ir ao dentista ou ao médico, tomar injeção, seguir e respeitar regras, ou mesmo elaborar questões mais difíceis como as perdas (uma morte na família, a separação dos pais, uma mudança brusca na situação financeira, afastamento do pai para trabalhar em outra cidade, entre muitas outras). Vi, certa vez, um menininho, cujos pais estavam se separando, brincando de casinha. Ele era o pai da história e explicava a outras crianças que faziam o papel de filhos que ia sair de casa, mas que não deixaria de ver seus filhos, pois os amava muito. Na verdade, a brincadeira era a forma de o menininho entender o que estava acontecendo, e também de dizer para si mesmo que era amado. Enfim, estava metabolizando a perda, lidando com dados objetivos, mas trabalhando subjetivamente com eles.

Quando brinca, a criança pode interagir melhor com suas emoções, com seu próprio corpo, com situações novas e inesperadas que surgem nas brincadeiras, com a sua realidade, com dificuldades que podem ser experimentadas em um clima de confiança (pois ela sabe que o que vivencia é fantasia, embora a viva com inteireza). Desta forma, ela aprende a buscar meios de se adaptar a novas situações, a tomar decisões e ter iniciativa, favorecendo sua autonomia, flexibilidade e criatividade. Mesmo quando brinca com super-heróis (e vivi esta experiência brincando com meu neto), estes se “humanizam” nas brincadeiras e situações do dia a dia da criança são transferidas para os “super”, que se despem de seus grandes poderes de vez em quando.

A fantasia e a criatividade, que são muito estimuladas nas brincadeiras, assim como a flexibilidade e a maleabilidade do universo lúdico, permitem que os pequenos as explorem de formas variadas. E, nestes momentos, a presença dos educadores é muito importante, não para dizer o que as crianças devem ou não fazer, mas para acompanhá-las em suas incursões imaginativas, para permitir-lhes material e tempo que as ajude a criar. Também os educadores precisam desenvolver sua própria flexibilidade para aproveitar toda a riqueza desses momentos que são de nutrição emocional e desenvolvimento mental, momentos de muita aprendizagem.

Alguns mitos foram criados em torno da ludicidade, crenças errôneas que interferem na experiência lúdica. Vamos ver três que detecto facilmente quando converso com educadores.

soltando a imaginação

O primeiro é que brincar é perda de tempo, que a criança está na escola para aprender. Creio que este não necessita de novos comentários. Vale só repetir que brincar traz aprendizagem motora, emocional, intelectual e social.

O segundo mito é que brincar gera bagunça e barulho. Dependendo da brincadeira, não podemos negar que isso é verdade, mas há muitas formas de brincar em situações em que temos pouco espaço e que não permitem maior agitação. A foto ao lado traz um bom exemplo. Na sala de aula, podem ser criados cantinhos (o do faz de conta, o dos jogos de encaixe e/ou dos bloquinhos de construção, o tapetinho da leitura, …) ou mesinhas agrupadas que permitem muitas atividades. Falaremos disso com mais detalhes em novos artigos. Mas, também é importante que as crianças tenham movimentos mais amplos, o que trabalharemos no próximo texto.

O terceiro mito é que lugar de brincadeira é no recreio ou nas aulas de Educação Física. Mas a criança tem, geralmente, cinquenta minutos de Educação Física, uma vez por semana. Isso é suficiente? Todas as atividades aqui citadas devem acontecer no pátio? Claro que não! O recreio é um caso mais discutível ainda. São vinte minutos para merendar, ir ao banheiro e brincar. Dá tempo de brincar? Já ouvi muitas histórias nos estágios e nos encontros com meus orientandos de que as crianças deixavam de merendar, de beber água e de ir ao banheiro para não perder o tempo que adoram. E (é óbvio!) pediam pra fazer isso quando estavam na sala de aula. Ah! Ainda temos a proibição de brincar no recreio ou fazer Educação Física como castigo, porque a criança estava muito agitada na sala de aula. E vai ficar mais ainda, porque a necessidade fundamental de a criança se mover não foi satisfeita.

Em nosso próximo artigo, na semana que vem, vamos saber mais da importância do movimento para a criança e algumas opções viáveis para trabalhá-lo. Se vocês tiverem alguma dúvida, mandem sua mensagem, pois poderei lhes responder no próximo artigo e (quem sabe?) tirar a mesma dúvida de outros educadores; ou lhes responder diretamente, se for mais apropriado. Boa leitura e até lá!!!
Agradeço muito a contribuição das fotos que foram devidamente autorizadas. As aqui publicadas foram tiradas por Rosilene Maria da Silva Gaio e estão em sua dissertação de Mestrado, por mim orientada. Quer aprofundar mais o assunto?