Educar as emoções: possibilitar uma vida melhor

Educar a criança e cuidar dela com carinho significam dar-lhe uma base para toda sua vida. Crianças felizes se tornam adultos que lidam melhor com as dificuldades da adolescência e da fase adulta. Crianças que têm sua corporeidade trabalhada, ou seja, consideradas em sua integralidade física, mental, emocional e espiritual têm chances bem maiores de se transformarem em adultos mais inteiros, que aprendem a valorizar-se e a levar em conta sua totalidade.

Como enfatizei no primeiro artigo, nossa educação está pautada prioritariamente no trabalho mental, e não é difícil encontrarmos adultos com um grande desenvolvimento intelectual, mas imaturos emocionalmente e com sérias dificuldades corporais. É só olhar em volta que encontraremos muitos exemplos disso. Saber lidar com as próprias emoçõesIrmãos-brigando é um dos grandes investimentos que precisam ser considerados tanto na escola quanto em família.

Há muitos estudos de diferentes autores sobre inteligência emocional. Entre eles, os do psicólogo Daniel Goleman são mais conhecidos no campo da Educação. Ele a define como a “capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos” .

Saber gerir bem as emoções nos possibilita melhores relações em casa, na escola, no trabalho, ou seja lá onde for. Pessoas que desenvolvem a gentileza, a solidariedade, o respeito pelo outro, a amorosidade, a empatia têm maiores chances de boas relações e de estarem bem consigo mesmas. E aí entra o aspecto da espiritualidade, que como observei em texto anterior, nada tem a ver com religião, mas com a possibilidade de nos tornarmos pessoas melhores, de crescermos como pessoas, enfim, de nos tornarmos mais sensíveis, de nos humanizarmos.

Multi-racial children hug eachother

Respirar e relaxar é sentir o próprio corpo, se conhecer um pouco mais, perceber melhor o que acontece conosco e se dar um tempo para esfriar a cabeça quando necessário. É também facilitar a aprendizagem de identificar e lidar com nossas emoções. Significa poder assumir o leme quando elas chegam e geram alguma forma de desequilíbrio. Já ouvi muitos professores (e também outros profissionais) afirmarem que temos que ser racionais acima de tudo, que, na escola, a razão tem que tomar a frente para que a aprendizagem ocorra. Nada mais falso! Vamos de forma objetiva, analisar duas questões.

A primeira, da qual falei no nosso quarto artigo, é que estudiosos de várias áreas de conhecimento apontam que a racionalidade depende das emoções para seu funcionamento equilibrado.  O renomado neurocientista António Damásio pontua que todo conhecimento, por mais racional que seja, se origina no organismo como um todo, o que significa que corpo, mente, emoções e o meio ambiente trabalham em conjunto.

A segunda é que identificar que estamos sob o efeito de uma emoção, seja ela raiva, medo ou qualquer outra, nos permite lidar melhor com a situação. Por exemplo, se estou com muita raiva de alguma coisa, tenho que ter cuidado para não jogá-la sobre quem não tem nada a ver com isso. Gostaria muito de ter podido educar meus filhos (já homens feitos) com o conhecimento que tenho agora. Às vezes, descontava neles, sem me dar conta disso, a raiva ou a frustração que alguma situação gerava.Tudo começava com um aborrecimento com algo que faziam e eu acabava misturando tudo, pois não tinha clareza das outras emoções, o que gerava uma reação desproporcional. E isso pode facilmente ocorrer com qualquer adulto, e com as próprias crianças, por que não?

Se não estivermos conscientes do que sentimos e que gera em nós um desequilíbrio, isso pode nos envolver e dominar. Revolta, inveja, ciúme, raiva, entre outras emoções e sentimentos, são naturais, surgem sem convite. E o problema não são os sentimentos em si, mas, sim, o que fazemos com eles, de que maneira podemos canalizar tais sentimentos ou emoções.

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Pensando mais especificamente nas crianças, que estão ainda começando a identificar as próprias emoções, e que, aos poucos, precisam aprender a lhes dar nomes, temos que considerar que puni-la pelo que sente não faz sentido, mas é necessário educá-la quanto a suas reações. Um amigo professor me contou uma situação que vale ser contada, pois vale mais que muitas linhas de definição.

Era dia de banho de mangueira na escola e a professora mandara um bilhetinho pedindo que se levasse roupa de banho e toalha. A mãe preparou a sacola, mas esta acabou sendo esquecida no carro do pai que levou a criança à escola, em razão da correria quase generalizada de nossos dias. Resultado: o menino não pode participar da festa geral que foi o banho e sua frustração não foi pequena. Quando o pai foi buscá-lo, ao final da aula, o pequeno estava com muita raiva. E cá pra nós, também nós teríamos ficado. Sentado na cadeirinha atrás do assento do pai, quando voltava da escola, ele chutava furiosamente o encosto do banco. No meio do trânsito caótico de uma cidade grande, o pai pediu que parasse mais de uma vez sem resultado. Quando teve a chance, encostou o carro, desceu e conversou com o filho, olhando-o nos olhos. Disse-lhe entender sua raiva, mas que sua reação colocava em risco os dois. Poderia haver um acidente se ele se distraísse com os gritos e os chutes, e que depois conversariam melhor. Esta postura me pareceu muito sensata, pois o pai deu validade à raiva da criança, mas foi firme não aceitando uma postura birrenta, agressiva e, até mesmo, perigosa.

Birra

Outro ponto que não podemos desconsiderar é que crianças aprendem o que vivem. Se temos atitudes que não queremos ver repetidas, não podemos tê-las, e se acontecer (às vezes, nos descontrolamos mesmo), é importante mostrarmos que não foi uma boa forma de reagir. Se aceitarmos manhas e cedermos, ou mesmo se passarmos a mão na cabeça da criança dizendo: “ele(a) é assim mesmo”, “ é o jeito dele(a), “isso é coisa de criança”, “ele(a) é muito nervoso(a)” (agitado(a), temperamental, sensível, …) estaremos dando razão à birra, ou seja, a uma postura inconveniente, que criará problemas inúmeros mais adiante, pois os que nos cercam e a própria vida não serão tão complacentes.

Os famosos combinados que muitos professores adotam é uma boa forma de estabelecer regras para que a criança aprenda a lidar com limites, com os quais terão que lidar a vida toda. Estes combinados podem (e é conveniente que sejam) conversados com a criança, explicados a ela, pois serão mais facilmente aceitos, porque terão sentido para ela. E, claro, também neste caso, vale abrir mão da rigidez caso seja necessário, como dormir um pouco mais tarde se a criança tem amiguinhos que estão com os pais que nos visitam, ou se há um evento na escola que justifique algumas mudanças. Mais uma vez, flexibilidade e bom senso são palavras-chave.

Claro que o assunto não se esgota aqui e que a ele voltaremos. Na próxima quinzena, vamos trazer as manifestações artísticas à cena, pois estas são formas por excelência de expressar emoções, organizá-las e sensibilizar, além de trabalhar a corporeidade.

As fotos desta postagem são de meu arquivo pessoal e da internet.

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Abraços e até a próxima postagem.