Qual o lugar do corpo na escola?

Será sentado atrás de carteiras enfileiradas? Será que conter a vivacidade da criança é o mais indicado para seu desenvolvimento? Como permitir que a criança possa, desde pequena, desenvolver seu potencial expressivo?

O ser humano para seu desenvolvimento mais equilibrado precisa ser considerado como alguém que pensa, sente, se movimenta, e está vinculado a seu meio sociocultural, o que significa ser considerado em sua corporeidade. O movimento é visto, na maioria das vezes, como se atrapalhasse o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, ideia totalmente falsa, mais que isso, uma ideia absurda, uma vez que o movimento é condição fundamental para a construção do conhecimento pela criança, no processo de conhecer a si mesma e se diferenciar do outro, enfim, de sua constituição como sujeito.

O desenvolvimento da criança implica consciência e conhecimento progressivo e cada vez mais profundo do próprio corpo. A criança é o seu corpo e a criança é movimento. Até que a criança tenha adquirido a linguagem verbal de forma mais ampla, é a motricidade o que lhe permite atender suas necessidades básicas, expressar emoções e criar relações. E é desta forma que ela se desenvolve e constrói aos poucos a sua personalidade. A motricidade é o que permite a interação entre o seu movimento interno e o externo, é o que permite que a criança estabeleça relações com seu grupo social (família, escola, amiguinhos da pracinha, da natação, etc).

É através do corpo, do movimento e dos sentidos que a criança percebe o mundo que a cerca, com ele interage e o transforma. O que é experienciado é imediatamente assimilado, o que é vivido é mais facilmente apreendido e aprendido. No entanto, à criança tem sido, com frequência, imposta uma imobilidade que contraria suas necessidades fundamentais, e atividades pouco ou nada significativas para sua experiência pessoal que, muitas vezes, seguem rotinas rígidas e repetitivas que não possibilitam o desenvolvimento de sua autonomia e expressividade.

Os espaços são inadequados, especialmente na educação infantil, em geral, ocupados por mesinhas e cadeiras, que tolhem as atividades físicas da criança, reduzem seu campo de experiências e reprimem a expressão natural de suas emoções. Se lhe são oferecidos movimentos reduzidos e rígidos, repetitivos e imitados, suas sensações e sua vivacidade vão sendo entorpecidas, o que tenderá a gerar desajeitamento e desconfiança, que poderão permanecer na juventude e idade adulta. O psicopedagogo e psicomotricista Vítor da Fonseca observa que muitas “epidemias escolares” como dislexias, disgrafias e discalculias põem em questão os métodos de aprendizagem, afirmando que mobilidade e inteligência são inseparáveis, uma vez que o pensamento se estrutura por meio do movimento.

Há anos atrás, fazia parte da infância brincar na rua, correr, ter contato com espaços amplos. Hoje, infelizmente, por motivos incontestáveis como a insegurança, isso não acontece da mesma forma, o que é mais uma razão para estarmos atentos a esse aspecto. O corpo tem permanecido muitas horas imóvel diante das telas de TV, computadores e celulares, questão esta que não cabe aprofundar neste momento, mas que merece atenção redobrada.

As muitas pesquisas que desenvolvi e orientei de mestrado, doutorado, iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso (TCC) e outras tantas que li, além do acompanhamento de estágios, mostram que o controle corporal é muito mais comum do que imaginamos, e que é preciso insistir nessa questão, pois as crianças de hoje serão os adultos de amanhã. E é mais que desejável que se tornem adultos que, além de usarem a cabeça, saibam lidar com suas emoções e com seu corpo, enfim, que sejam pessoas felizes consigo mesmas e que saibam se relacionar adequadamente, o que percebemos ser uma carência do nosso mundo.

A escola é um espaço privilegiado para o movimento, as relações e o desenvolvimento. Existem muitas possibilidades de movimento e podemos escolher o que mais se adeque ao local e ao momento. E movimento não significa necessariamente desordem ou indisciplina, podem ser jogos cantados, representações, brincadeiras e muitas outras possibilidades. Mais adiante, vamos falar um pouco mais do significado e da importância de considerar a corporeidade na escola e como esta visão integrativa ajuda nossos pequenos a se tornarem pessoas mais inteiras.

Nosso blog se transformou em livro…

Fotos retiradas da web.

Deixe suas sugestões, perguntas ou comentários, pois eles são importantes para nós; responderemos assim que possível.

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.