E o corpo da criança, também vai à escola?

Gestos e movimentos infantis são muito mais que uma forma de a criança acessar objetos ou de se deslocar no espaço, são maneiras de perceber o que a cerca e de se expressar, refletem sensações, emoções e pensamentos. É através do corpo que a criança responde aos estímulos que recebe a cada momento, que entra em contato com seu meio ambiente, com as pessoas, enfim, com o mundo que ela está descobrindo e conhecendo. Ela não “vê” apenas com os olhos, “vê” com o corpo inteiro, ela precisa pegar um objeto, sentir a textura, se é leve ou pesado, se faz barulho ou se não faz nada, analisar suas possibilidades, descobrir os seus mistérios.

Menina dançando

Quando o intelecto é excessivamente valorizado, deixando-se de lado aspectos psicomotores, podem ocorrer alterações significativas que se mostram através de irritabilidade, tiques, perturbações respiratórias, dor de estômago, ansiedade, entre muitas outras. Quem trabalha com a criança não deve esperar seres capazes de se manterem imóveis. A criança se expressa e aprende através do movimento, ela é movimento. Assim, organizar formas de canalizar essa energia motora será menos cansativo e mais proveitoso do que tentar mantê-las quietas e paradas, especialmente na educação infantil.

É fundamental, ainda, que nossos pequenos possam estabelecer relações e trocas com outras crianças, uma vez que são seres sociais e, por isso, necessitam do contato com o outro para a sua formação como indivíduos. A criança precisa de um tempo-espaço para essas trocas com os coleguinhas de brincadeiras e movimentos, de falar e de ouvir, de aprender e sentir prazer. O que é um ótimo momento para que a professora (ou professor) ou também os pais possam observar como agem e interagem, se conseguem se relacionar bem e se envolver naquilo que é proposto, do que gostam mais, como se expressam. A aprendizagem ocorre de modo intenso nessas interações entre a criança e seu meio, a linguagem e o raciocínio se desenvolvem, o processo de perceber a si mesma frente ao outro se aguça, a percepção dos próprios limites e dos limites do outro é trabalhada, construindo assim sua identidade e autonomia, indispensáveis ao seu desenvolvimento.

Desafios são necessários e devem ser apresentados, mas sem que haja pressão, e sim, incentivo para que aBalanço criança possa ir encontrando a maneira de superá-los. E a cada desafio vencido, nova aprendizagem. De forma espontânea, a criança busca se adaptar ao novo, ampliando sua capacidade sensorial e motora. Materiais diferentes, com cores variadas e diferentes tamanhos, brincadeiras, músicas com movimentos, por exemplo, são meios eficazes de estimulação. Não é uma aprendizagem apenas corporal, mas cognitiva, emocional e social também. Movimentos repetitivos, que se deseje saiam “certos” e “iguais” não trazem os mesmos ganhos que os movimentos expressivos.

Mais adiante, em outro artigo, vamos analisar características de cada etapa, pois uma criança de três anos não tem as mesmas especificidades de uma de seis anos. Mas, por ora, é importante enfatizar que não é desejável comparar crianças. Precisamos lembrar que cada criança tem seu modo de ser, sua própria forma de se desenvolver, seu ritmo, suas habilidades adquiridas, seu modo próprio de sentir e reagir. Além de considerar e respeitar sua individualidade, é necessário considerá-la, ainda, como uma criança de uma determinada faixa etária e com vivências diferenciadas. Uma criança que teve mais ou menos estímulos também faz muita diferença. Aquela que fica sentada na frente da TV por horas a fio, não terá as mesmas respostas da que recebe frequentes estímulos. Comparar seu filho com o priminho, com o filho do vizinho ou da amiga não vai melhorar o seu “desempenho”, mas pode trazer uma grande carga de ansiedade para você e para a criança.

Ambientes diferenciados também são significativos, são uma aprendizagem do uso do espaço.  Dentro e fora, em cima e embaixo, esquerda e direita, na frente e atrás, alto e baixo, rodar, abaixar, levantar, bater pé, bater palmas, estalar os dedos (às vezes é difícil, mas com o treino se chega lá), mãos nos pés, mãos na cabeça, mãos na cintura… são movimentos divertidos e que podem ser A canoa viroufeitos em qualquer lugar. Se você contar histórias em que todos fazem os movimentos, melhor ainda. Pode inventar à vontade. “Mamãe posso ir? Quantos passos? Dez de canguru. Um de gigante… bem maior que dez de formiguinha”.

Sempre ficava “louca” na faculdade quando não encontrava um lugarzinho nas atividades escritas à mão por meus alunos para fazer comentários ou deixar meus bilhetinhos. Não havia margens, as linhas se amontoavam, espaço zero. Precisava colar um post-it para isso (aqueles papeizinhos autocolantes super úteis). Provavelmente, sua coordenação espacial foi mal trabalhada. Um corpo precisa, antes de usar o papel, se expressar no espaço, dominá-lo, expandir-se, contrair-se, aprender a se localizar, o que também ajuda o equilíbrio. Imaginem uma pessoa que fica fechada dentro de um quartinho por muito tempo, quando sair, vai ser difícil se movimentar em espaços mais amplos, vai ficar meio perdida. Da mesma forma, é preciso aprender a lidar com pequenos espaços cheios de mesas e cadeiras ou se vai bater e tropeçar em tudo. (Um trenzinho que passeia pela sala pode ser bem interessante. Com direito a barulho de trem e apito, de aceleração e diminuição do movimento até a parada na estação de onde sai devagarzinho e vai acelerando até que venha a próxima chegada. E que será que há na estação? Bichos, gente, um rei mandão ou um lugar mágico? Será que encontraremos a bruxa malvada ou a princesa encantada? Pode ser que surja até o Ben 10 ou uma tartaruga ninja. Nunca se sabe!!!).

Há uma brincadeira muito útil para localização e coordenação espacial. As crianças vão andando pela sala e, mediante a ordem de quem orienta a atividade, vão se colocando sobre folhas de jornal ou dentro de bambolês onde há um bom espaço para todas. Aos poucos, vai sendo diminuído o número dessas folhas ou dos bambolês, e as crianças precisam se organizar dentro dos espaços oferecidos. Inclusive se trabalha a colaboração, pois vai chegar a hora em que precisam se ajudar para manter o equilíbrio nos espaços específicos, ficando bem juntinhas. Outra opção é pedir que dancem e, quando a música parar, se dirijam aos espaços delimitados. Isso trabalha a acuidade auditiva e o ritmo, o que também trabalha o equilíbrio. O melhor de tudo é que é uma atividade que as crianças adoram. E quando você começar a criar, não vai parar mais. Criatividade se desenvolve quando é estimulada.

Se bobear, não termino o texto de hoje, há muito a dizer!!! Mas, na semana que vem, continuamos este assunto que dá pano para muitas mangas. Também falaremos de estimulação sensorial.

Se tiverem alguma dúvida ou sugestão, mandem sua mensagem, pois poderei lhes responder no próximo artigo e (quem sabe?) tirar a mesma dúvida de outros educadores; ou lhes responder diretamente, se for mais apropriado. Boa leitura e até lá!!!

Agradeço muito a contribuição das fotos que foram devidamente autorizadas. As aqui publicadas foram tiradas por Rosilene Maria da Silva Gaio e estão em sua dissertação de Mestrado, por mim orientada. A menina dançarina foi retirada da internet. Muito expressiva, não é?!

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.

Comments
  • 23-novembro-2019 at 21:31

    Ótimo mesmo,estou estudando pedagogia,e tenho um filho de seis anos,e crianças precisam brincar,se envolver gastar energia.Muito bom o texto!

    • 24-novembro-2019 at 17:56

      Olá, Lucimara,
      Que bom que gostou! Crianças são mesmo uma fonte de energia inesgotável, não é?
      Obrigada por seu comentário.
      Grande abraço

  • 23-novembro-2017 at 20:54

    Parabéns por seu artigo, li e me ajudou bastante na atividade que estou fazendo para a faculdade de Pedagogia.
    Eliana.

    • 27-novembro-2017 at 15:12

      Obrigada, Eliana, por seu comentário. Fico feliz que o texto a tenha ajudado.
      Grande abraço

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