É de criança que se aprende a respirar e relaxar…

…Lidando com as tensões de cada dia.

Estará a criança imune a tanta tensão, correria, insegurança, medo e ansiedade que atingem os adultos nos tempos em que vivemos? Claro que não! Diria até que ela é bastante sensível ao que a cerca. Ela pode estar aparentemente desligada do que ocorre a sua volta quando brinca no chão da sala ou está no banco de trás do carro, mas ouve, sente e capta (não sabemos exatamente de que forma e com que intensidade) as vozes tensas que vêm da TV ou do rádio, comentários angustiados da família, a irritação, o susto, a indignação, a revolta e outras tantas emoções que nos invadem cotidianamente. Todos têm pressa, há muitas urgências, muitos sentimentos novos se mostram à criança, mas ainda não são definidos nem compreendidos por ela, que sequer aprendeu a lhes dar nomes. Lembro-me sempre de uma menininha que vendo o pai muito zangado com uma perda em seu salário, segurou minha mão e perguntou: Ele está zangado comigo, tia? O que foi que eu fiz?

Não vou descrever problemas, todos nós sabemos bem da sua existência. Prefiro apresentar alguns recursos para lidar com os sentimentos “estranhos” e tensões que invadem as crianças em decorrência de situações não tão próximas, mas também de outras que ela pode estar vivenciando em casa ou na escola como a chegada de um novo irmãozinho “que veio roubar a atenção da família”, a separação dos pais, a perda de um ente querido, a troca de escola ou de professora, o afastamento de um amiguinho mais próximo, entre tantas outras possibilidades que geram insegurança e com as quais ela não sabe ainda como lidar. E o primeiro passo é considerar que crianças são afetadas pelo seu entorno e também sentem ansiedade, logo é importante poupá-las daquilo que não lhes cabe ainda assumir.

Em meu livro Bioexpressão – Corpo, movimento e ludicidade. Unindo fios, tecendo relações e propondo possibilidades, analiso a importância de saber lidar com as tensões que fazem parte da vida de todos nós, e, aqui, reproduzirei alguns trechos que acredito poderem ajudar os educadores, sejam professores ou responsáveis pela criança, pois, afinal, dificuldades fazem parte da vida, independe da idade que tenhamos, sejamos alunos, pais ou professores, e, por isso mesmo, é importante aprender a lidar com elas e a evitar ou minimizar seus efeitos sobre nosso corpo e desenvolver nossa resiliência (disso falaremos mais adiante).

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Aprender a relaxar é o primeiro passo, e são muitas as formas de liberar tensões, inclusive na sala de aula. A primeira delas, que vem “saindo de moda” em algumas escolas, infelizmente, é a rodinha de conversa que pode trazer à tona muitas questões que estão angustiando a criança, lhes dando a chance de expressá-las. Questões estas que, muitas vezes, não consegue ainda entender. Uma versão familiar seria um tempo-espaço para conversar com a criança que reunisse os seus membros, ou um momento no parque, ou após contar uma história, ou fazer desenhos. Cada um encontrará uma forma mais adequada de promovê-lo.

Um fator muito importante para facilitar o relaxamento é a respiração e atividades de percepção corporal. A simples observação de como ocorre a respiração, concentrando-se a atenção totalmente nesse processo, no ar que entra e no ar que sai, sem nele interferir, permite um desligamento do mundo exterior, acalmando o corpo e, consequentemente, a própria respiração (e isso vale para nós, adultos!!!). Um ato que deve sempre ser exercitado na hora de dormir, e que pode ser feito através de imagens. Por exemplo: quando inspiro, meu corpo vai ficando brilhante e, quando expiro, tudo que não gosto vai ficando bem distante. Mas vamos, primeiro, entender a importância de saber respirar.

A essa altura, pode ser que você pense: “se não soubesse respirar não estaria mais vivo, todo mundo já nasce sabendo”. A segunda etapa do pensamento está absolutamente correta – todos nascemos sabendo respirar. O problema é que desaprendemos e, por isso, não vivemos tão bem como poderíamos. Não estamos tão vivos quanto possível se considerarmos que vitalidade é energia, e que respirar mal diminui nosso nível energético. Também é absolutamente correto dizer que não vivemos sem respirar, no entanto, como outras circunstâncias fundamentais para a vida, a respiração não é muito considerada. E é por aqui que vou começar, afinal, é assim que se inicia a vida, com aquele choro tão esperado no nascimento, quando a criança respira sozinha.

Nosso primeiro contato com o mundo exterior se dá através da respiração. Sem ar não há vida. Pode-se viver dias sem água e meses sem comida, mas apenas poucos minutos sem ar. Apesar da importância da respiração natural para o bom funcionamento do nosso metabolismo, dificilmente respiramos bem, apresentando a tendência de segurar o fôlego e de respirar superficialmente. A respiração profunda é essencial para o equilíbrio orgânico, emocional e mental, no entanto, as tensões nos condicionam a uma respiração superficial.

A respiração curta é um mecanismo de defesa adquirido na primeira infância. Prendendo a respiração, as crianças encontram uma forma de lutar contra os estados de angústia que sentem no alto abdômen. As sensações agradáveis abdominais ou genitais que lhes causam medo também são reprimidas da mesma forma. Este mecanismo é típico e universal e se mantém na idade adulta.

Conscientizar-se do movimento respiratório é conscientizar-se de si mesmo, é permitir que a energização do organismo se estabeleça de forma mais equilibrada. Se a respiração é reduzida, superficial, absorve-se menos oxigênio, tem-se menos energia. Conter a respiração, o que fazemos instintivamente, parece ser uma proteção, mas, ao fazer isso, nos tornamos ainda mais indefesos, mais vulneráveis. A respiração profunda exerce um efeito bastante positivo em situações de ansiedade que se manifestam comumente em crianças e adolescentes diante de provas ou de situações novas como mudanças de escola, de professores ou de grupo. Existe uma íntima relação entre oxigênio, ansiedade e excitação. Assim, quanto mais excitamento é sentido, mais oxigênio é necessário para sustentá-lo. Respirar profundamente é uma forma de expulsar a ansiedade e permitir que as emoções excitantes e prazerosas surjam através de nosso corpo, e nos proporcionem a sensação de poder e sustentação que necessitamos nessas ocasiões.

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Algumas atividades bastante simples podem ser usadas para trabalhar a respiração da criança. É conveniente que a inspiração se faça sempre pelo nariz (sem forçar) e o ar seja expirado pela boca. Iniciar sempre expirando.

A) Encher os pulmões (sem forçar) e soltar o ar enchendo balões (bexigas) até que o pulmão pareça estar bem vazio. Repetir algumas vezes até que o balão esteja cheio. Podemos brincar com os balões cheios ao final, amarrando o bico; deixar que voem, enquanto o ar sai; ou brincar com o barulho, puxando o bico do balão para os lados. Acho que todos nós já fizemos isso, não é??

B) Usar uma pluma como mostra a imagem acima, inspirando suavemente e soltando o ar soprando de forma a movê-la.

C) Imaginar-se um boneco inflável que fica cheio e grande e soltar o ar, deixando que o boneco murche até ficar bem vazio (imagens abaixo).

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D) Ainda com pluminhas menores, aquelas peninhas coloridas e bem leves, inspirar e expirar soprando de forma que as peninhas possam voar, acompanhando com os olhos o seu movimento.

Com certeza, a sua criatividade lhe dará novas ideias para criar novas imagens.

 

Hoje, ficamos por aqui, continuaremos a pensar possibilidades de relaxamento no nosso próximo encontro, assim como pensar como lidar com as emoções infantis.

 

As fotos desta semana são do Doutorado de minha co-orientanda Jaqueline Madeira, na Universidad de Oviedo, Espanha, que trabalhou com a Bioexpressão para crianças.

Estica, dobra, pula, roda, sobe e desce… Cansou? Que nada!!!!

Nenhuma criatura jovem pode conservar seu corpo ou sua voz sossegados; elas estão continuamente tentando produzir movimentos e ruídos. Pulam e saltitam, dançam e fazem travessuras como se estivessem sempre em júbilo, e voltam a emitir gritos de todos os tipos (Platão).

Pois é, já na Antiguidade, o sábio grego observava que criança não vive sem movimento. E olhe que, naquela época, criança ainda não tinha voz (e nem vez). Não foram poucos os estudiosos da infância que reafirmaram isso, analisando sua importância para o desenvolvimento infantil. Mas por que será que este controle do corpo ainda é tão persistente? Por que ainda se acredita que para aprender é necessário estar sentado eCaneta e régua? Não!! Um avião quieto? Pesquisas apontam claramente alguns pontos mais evidentes, embora não sejam os únicos:

Primeiro porque a dinamicidade natural dos corpos das crianças pode ser controlada com mais facilidade se estas estiverem sentadas e contidas pelas mesinhas, o que assegura a autoridade do professor, pelo menos em tese, livrando-o do que é o terror da maioria: a bagunça. Mas será mesmo que movimento é a mesma coisa que confusão e gritaria? Que sempre causa desordem? E, infelizmente, isso se mostra também em turmas de Educação Infantil em que o movimento é essencial para o desenvolvimento saudável da criança. Mas a criança, quando não pode se mover, sempre encontra um meio de burlar este controle, como mostra a foto em que uma caneta e uma régua se transformam em um avião que voa escondido.

Segundo porque se tem a ideia absolutamente errônea de que o movimento atrapalha a aprendizagem da criança, tirando-lhe a atenção e a concentração. Entretanto os estudos de Henry Wallon apontam a relação íntima entre inteligência e movimento, e a “incapacidade” de a criança mais nova ficar quieta por um tempo mais longo. Na verdade, ela não tem, ainda, condições de desenvolvimento para isso.

Terceiro porque os professores, por considerarem que é o mais adequado e/ou devido a lhes trazer maior segurança, repetem a fórmula com que foram escolarizados, repetem o já conhecido.

É importante analisar essa questão por outro ponto de vista: não seria a excessiva falta de movimento, esta expressão necessária da criança que descobre o mundo e em quem vibra curiosidade e energia, que gera a falta de concentração e de atenção? A agitação excessiva não seria fruto dessa energia, que parece inesgotável, que está contida e que busca se expressar e que precisa ser gasta a todo custo? Além do mais, estabelecer regras e limites faz parte da brincadeira. Ou não faz?

O RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que tem o movimento como um dos eixos considerados fundamentais ao desenvolvimento infantil, alerta quanto às rígidas restrições posturais que buscam suprimir a mobilidade das crianças, impondo-lhes longos períodos em que não devem se mover, sendo qualquer deslocamento ou gesto, qualquer mudança de posição vistos como desordem ou indisciplina. Mas as transgressões são inevitáveis, pois o corpo precisa se mover. E quando falo em movimento não me refiro apenas às brincadeiras ou jogos Resistênciaque exigem espaço mais amplo como jogar bola, brincar de pique, pular corda ou amarelinha, mas também àquelas que se adequam à sala de aula como passa-anel, jogos cantados, jogos teatrais ou as outras possibilidades de que falamos em artigos anteriores. Também a dimensão subjetiva do movimento precisa estar presente de forma que se explore a comunicação gestual, a percepção de emoções, a expressão de sentimentos (o que será aprofundado em outro artigo).

É fundamental que a educação escolar incorpore, em seu processo pedagógico, o desenvolvimento de atividades que permitam à criança conhecer o mundo,  conhecer   a   si   própria   como   sujeito   com   condições   de   atuar   neste   mundo   e   de transformá-lo. E o autoconhecimento, processo que dura a vida toda e que pode (e deve) se iniciar na infância, implica, inicialmente, o conhecimento do próprio corpo, dos sentidos e de sua estimulação, de diferentes linguagens expressivas como a corporal ou a musical, da identificação gradual daquilo que é sentido. Nosso corpo traz o mundo para nós e também registra nossas múltiplas experiências: a alegria, a confiança, a perda, a dor, o medo, o prazer… E isso deve fazer parte da aprendizagem, isso precisa ser, também, trabalhado. A aprendizagem emocional é tão importante quanto a intelectual e a motora. Afinal, somos uma totalidade, lembra?

O mundo real, a fantasia, a ludicidade e o movimento se mesclam na infância em uma tessitura de muitas cores e de muitas expressões. Aos poucos, a criança começa a perceber a realidade de forma mais crítica e objetiva, a cognição se sobrepõe à emoção e ao movimento, o que ocorre por volta dos seis anos de idade, quando tem início o ensino fundamental que não deve, também, tirar a ludicidade da vida da criança. E, por isso reitero a importância essencial do movimento e do lúdico.

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A dissociação entre o real e o lúdico não deve ser impingida à criança a título de fazê-la crescer “a ferro e fogo”. Interferir neste processo é uma forma de violência que pode lhe trazer muitos danos (É como tentar liberar a borboleta de seu casulo antes do tempo. Ela não conseguirá voar). Não é à toa, como discutimos anteriormente, que a brincadeira é fundamental para a elaboração de situações que a criança ainda não consegue entender. Não podemos esquecer que a criança não pensa, sente ou age como nós, adultos (embora nós ajamos como criança em determinadas situações, não é mesmo?).

As atividades da criança devem ter sentido para ela, devem expressar vida, envolvê-la, não serem mecânicas, ou seja, devem ser lúdicas e criativas. Caso contrário se cria dispersão e desinteresse. Crianças (e mesmo jovens e adultos) que se envolvem em atividades lúdicas e criativas entram em maior contato consigo, o que lhes abre portas para descobrir o mundo, lançar-lhe um outro olhar, criar novas possibilidades de construir saídas, conhecimento e compreender a realidade.

Educar não é homogeneizar, igualar, produzir em massa, mas estimular as singularidades e potencialidades de cada ser; não é dar respostas prontas, mas ensinar a buscá-las; educar é trabalhar a corporeidade, considerando o sentir-pensar-agir. Educar é humanizar.

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As fotos foram retiradas das dissertações de Mônica Cristina Neto e Patrícia Vieira Bonfim por mim orientadas. Com Patrícia escrevi o capítulo cujo link está ao final para quem desejar aprofundar mais o assunto.

Depois de tanto movimento, no próximo texto, vamos pensar possibilidades de levar às crianças atividades que as ajudem a expressarem suas emoções e a lidar melhor com elas.

Deixem seus comentários e perguntas ou sugestões no espaço abaixo. Seu retorno é muito importante para mim.

Até a próxima!!

https://books.google.com.br/books?id=MV126jYry7IC&pg=PA88&lpg=PA88&dq=corporeidade+lucia+helena+pena+pereira&source=bl&ots=VtyD8FPKlb&sig=ER2_PQHGEz_Px3Zo17Qec5B6MJw&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiCz5W9gJXOAhVEj5AKHRskCz4Q6AEIRzAG#v=onepage&q=corporeidade%20lucia%20helena%20pena%20pereira&f=false

 

A vida com sentidos: percebendo o que nos cerca

 

Muitos são os significados que vamos dando ao que está a nossa volta e estes são captados por cinco sentidos que nos permitem perceber o que acontece em nós, nos conectarmos conosco e com nosso meio ambiente – audição, visão, tato, paladar e olfato. Eles são os responsáveis pela capacidade de interpretar os estímulos a nosso redor. Cheiro de fumaça? Algo está queimando. Uma buzina de repente? Opa, cuidado!! Espetada no pé? Pode ser caco de vidro. Vamos desinfetar!!! Cheiro e gosto ruins? Joga fora que estragou. Enfim, nossos sentidos permitem que ações adequadas sejam produzidas.

Entretanto, nem sempre estes sentidos são devidamente estimulados e, quando deixam de ser trabalhados, como se pode esperar que estabeleçamos contatos satisfatórios conosco ou com nosso entorno? Se não ouvi a buzina, nem saí bem rápido do meio da rua, posso ter problemas. Se comi aquele presunto estragado, não sentindo o cheiro e o gosto estranhos, vou passar aperto. Trabalhar os sentidos é trabalhar nossa corporeidade e nossa relação com o mundo que nos cerca. tato

Analisemos o momento que vivemos. Sofremos agressões constantes e violentas, mesmo que nem sempre nos demos conta disso, especialmente em grandes centros. Mas nosso corpo as registra e responde em forma de tensão, irritabilidade, desatenção, desinteresse, falta de acuidade auditiva ou visual, dessensibilizações diversas, entre outras reações. Barulho permanente, ar poluído, alimentação inadequada, muitos e variados estímulos visuais desordenados, tempo prolongado diante das telas da TV, do celular, do computador, dos videogames. “Metabolizar” este acúmulo de estímulos cobra seu preço, mas o custo será mais alto na proporção do tempo despendido e do maior ou menor desenvolvimento sensorial.

Os sentidos podem sofrer um processo de amortecimento como alerta Yvonne Berge. As constantes agressões sonoras embotam a audição, a percepção auditiva diminui, e a faculdade de escuta diferenciada não se desenvolve convenientemente. Por proteção, vai havendo um fechar-se aos ruídos agressores, mas essa “surdez” voluntária e inconsciente na maioria das vezes permanece mesmo quando cessam tais ruídos. O mais sério é que o barulho torna-se como droga necessária sem a qual o homem moderno não pode passar, mas que dificulta sua concentração ou atenção. O silêncio incomoda, preocupa (há quem só durma com o som da televisão, do MP4, ou dos avisos de que chegou mensagem nova no celular. Também o olfato se perde. A poluição não permite um respirar prazeroso e livre. O ar, que é uma das formas de alimento do ser humano, fonte de energização e equilíbrio, torna-se um causador de problemas. A visão é bastante atingida pela sobrecarga de impressões visuais (movimento excessivo, letreiros luminosos, televisão, cinema, efeitos especiais, …). O tato, então, fica praticamente adormecido, parecendo se restringir às pontas dos dedos. O restante do corpo praticamente não recebe estímulos. O paladar também não se livra das agressões e se torna, muitas vezes, incapaz de apreciar uma alimentação mais sadia e natural, acostumada aos “sabores”  da civilização (tudo é regado por mostarda, ketchup ou maionese, e um refrigerante para empurrar tudo isso). Na verdade, ocorre um embotamento da nossa acuidade sensorial.

Os nossos sentidos captam o mundo exterior mesmo que não tenhamos consciência disso. Quantas vezes sentimos uma irritação crescente, sem explicação aparente até que nos damos conta de que a televisão está “gritando”. Falamos mais alto porque o som do trânsito ou da festa não nos permite ouvir a própria voz. E, estudiosos afirmam que a audição é um dos sentidos mais atingidos pelos estímulos externos. Afirmam, ainda, que os sons que nos rodeiam não são percebidos muitas vezes, o que provoca o aumento do nível de tensão e dificuldades de equilíbrio. O ouvido está diretamente ligado à orientação espaciotemporal do corpo, como analisamos no último texto, falando do movimento. O ouvido (sistema vestibular) atua no ajuste do corpo ao seu meio, no seu equilíbrio. Não é à toa que uma labirintite nos tira completamente do eixo.

O ser humano constitui-se pela integralidade de suas partes e todas elas participam do processo de aprendizagem, que passa pelos sentidos, em especial, pela audição, visão e tato. A aprendizagem, seja ela qual for, passa pelo corpo. Toda aquisição de conhecimento tem uma inscrição corporal, que deveria vir sempre acompanhada de sensações de prazer e de estímulo à curiosidade, esta incrível qualidade da criança, que, com muita frequência, é abafada. Na figura que se segue, vemos um ótimo exemplo de estimulação sensorial, as crianças passam por um corredor construído com tubos de pvc com objetos de formas, cores e texturas diferentes Brinquedo sensorialpendurados. Ainda há objetos com sons que podem ser experimentados. Elas podem tocá-los, sentir as diferenças, olhás-las e ouvi-las. Também seus corpos são tocados, o que trabalho o tato além das mãos.

O processo escolar da criança deveria dar continuidade ao seu encantamento de aprender; ao deslumbramento que dela toma conta diante das descobertas; à percepção sensorial vívida que a desperta para sabores, aromas, ruídos, imagens, texturas; que faz com que sua curiosidade se aguce e a tome por inteiro; com que pulse alegremente diante do novo – dos sons, das cores, das tramas, dos gestos, das sensações…

Na próxima publicação, daqui a 15 dias, falaremos mais um pouco dos sentidos e do movimento. Até lá!!!

Seus comentários, perguntas e sugestões são sempre muito bem-vindos!!

E o corpo da criança, também vai à escola?

Gestos e movimentos infantis são muito mais que uma forma de a criança acessar objetos ou de se deslocar no espaço, são maneiras de perceber o que a cerca e de se expressar, refletem sensações, emoções e pensamentos. É através do corpo que a criança responde aos estímulos que recebe a cada momento, que entra em contato com seu meio ambiente, com as pessoas, enfim, com o mundo que ela está descobrindo e conhecendo. Ela não “vê” apenas com os olhos, “vê” com o corpo inteiro, ela precisa pegar um objeto, sentir a textura, se é leve ou pesado, se faz barulho ou se não faz nada, analisar suas possibilidades, descobrir os seus mistérios.

Menina dançando

Quando o intelecto é excessivamente valorizado, deixando-se de lado aspectos psicomotores, podem ocorrer alterações significativas que se mostram através de irritabilidade, tiques, perturbações respiratórias, dor de estômago, ansiedade, entre muitas outras. Quem trabalha com a criança não deve esperar seres capazes de se manterem imóveis. A criança se expressa e aprende através do movimento, ela é movimento. Assim, organizar formas de canalizar essa energia motora será menos cansativo e mais proveitoso do que tentar mantê-las quietas e paradas, especialmente na educação infantil.

É fundamental, ainda, que nossos pequenos possam estabelecer relações e trocas com outras crianças, uma vez que são seres sociais e, por isso, necessitam do contato com o outro para a sua formação como indivíduos. A criança precisa de um tempo-espaço para essas trocas com os coleguinhas de brincadeiras e movimentos, de falar e de ouvir, de aprender e sentir prazer. O que é um ótimo momento para que a professora (ou professor) ou também os pais possam observar como agem e interagem, se conseguem se relacionar bem e se envolver naquilo que é proposto, do que gostam mais, como se expressam. A aprendizagem ocorre de modo intenso nessas interações entre a criança e seu meio, a linguagem e o raciocínio se desenvolvem, o processo de perceber a si mesma frente ao outro se aguça, a percepção dos próprios limites e dos limites do outro é trabalhada, construindo assim sua identidade e autonomia, indispensáveis ao seu desenvolvimento.

Desafios são necessários e devem ser apresentados, mas sem que haja pressão, e sim, incentivo para que aBalanço criança possa ir encontrando a maneira de superá-los. E a cada desafio vencido, nova aprendizagem. De forma espontânea, a criança busca se adaptar ao novo, ampliando sua capacidade sensorial e motora. Materiais diferentes, com cores variadas e diferentes tamanhos, brincadeiras, músicas com movimentos, por exemplo, são meios eficazes de estimulação. Não é uma aprendizagem apenas corporal, mas cognitiva, emocional e social também. Movimentos repetitivos, que se deseje saiam “certos” e “iguais” não trazem os mesmos ganhos que os movimentos expressivos.

Mais adiante, em outro artigo, vamos analisar características de cada etapa, pois uma criança de três anos não tem as mesmas especificidades de uma de seis anos. Mas, por ora, é importante enfatizar que não é desejável comparar crianças. Precisamos lembrar que cada criança tem seu modo de ser, sua própria forma de se desenvolver, seu ritmo, suas habilidades adquiridas, seu modo próprio de sentir e reagir. Além de considerar e respeitar sua individualidade, é necessário considerá-la, ainda, como uma criança de uma determinada faixa etária e com vivências diferenciadas. Uma criança que teve mais ou menos estímulos também faz muita diferença. Aquela que fica sentada na frente da TV por horas a fio, não terá as mesmas respostas da que recebe frequentes estímulos. Comparar seu filho com o priminho, com o filho do vizinho ou da amiga não vai melhorar o seu “desempenho”, mas pode trazer uma grande carga de ansiedade para você e para a criança.

Ambientes diferenciados também são significativos, são uma aprendizagem do uso do espaço.  Dentro e fora, em cima e embaixo, esquerda e direita, na frente e atrás, alto e baixo, rodar, abaixar, levantar, bater pé, bater palmas, estalar os dedos (às vezes é difícil, mas com o treino se chega lá), mãos nos pés, mãos na cabeça, mãos na cintura… são movimentos divertidos e que podem ser A canoa viroufeitos em qualquer lugar. Se você contar histórias em que todos fazem os movimentos, melhor ainda. Pode inventar à vontade. “Mamãe posso ir? Quantos passos? Dez de canguru. Um de gigante… bem maior que dez de formiguinha”.

Sempre ficava “louca” na faculdade quando não encontrava um lugarzinho nas atividades escritas à mão por meus alunos para fazer comentários ou deixar meus bilhetinhos. Não havia margens, as linhas se amontoavam, espaço zero. Precisava colar um post-it para isso (aqueles papeizinhos autocolantes super úteis). Provavelmente, sua coordenação espacial foi mal trabalhada. Um corpo precisa, antes de usar o papel, se expressar no espaço, dominá-lo, expandir-se, contrair-se, aprender a se localizar, o que também ajuda o equilíbrio. Imaginem uma pessoa que fica fechada dentro de um quartinho por muito tempo, quando sair, vai ser difícil se movimentar em espaços mais amplos, vai ficar meio perdida. Da mesma forma, é preciso aprender a lidar com pequenos espaços cheios de mesas e cadeiras ou se vai bater e tropeçar em tudo. (Um trenzinho que passeia pela sala pode ser bem interessante. Com direito a barulho de trem e apito, de aceleração e diminuição do movimento até a parada na estação de onde sai devagarzinho e vai acelerando até que venha a próxima chegada. E que será que há na estação? Bichos, gente, um rei mandão ou um lugar mágico? Será que encontraremos a bruxa malvada ou a princesa encantada? Pode ser que surja até o Ben 10 ou uma tartaruga ninja. Nunca se sabe!!!).

Há uma brincadeira muito útil para localização e coordenação espacial. As crianças vão andando pela sala e, mediante a ordem de quem orienta a atividade, vão se colocando sobre folhas de jornal ou dentro de bambolês onde há um bom espaço para todas. Aos poucos, vai sendo diminuído o número dessas folhas ou dos bambolês, e as crianças precisam se organizar dentro dos espaços oferecidos. Inclusive se trabalha a colaboração, pois vai chegar a hora em que precisam se ajudar para manter o equilíbrio nos espaços específicos, ficando bem juntinhas. Outra opção é pedir que dancem e, quando a música parar, se dirijam aos espaços delimitados. Isso trabalha a acuidade auditiva e o ritmo, o que também trabalha o equilíbrio. O melhor de tudo é que é uma atividade que as crianças adoram. E quando você começar a criar, não vai parar mais. Criatividade se desenvolve quando é estimulada.

Se bobear, não termino o texto de hoje, há muito a dizer!!! Mas, na semana que vem, continuamos este assunto que dá pano para muitas mangas. Também falaremos de estimulação sensorial.

Se tiverem alguma dúvida ou sugestão, mandem sua mensagem, pois poderei lhes responder no próximo artigo e (quem sabe?) tirar a mesma dúvida de outros educadores; ou lhes responder diretamente, se for mais apropriado. Boa leitura e até lá!!!

Agradeço muito a contribuição das fotos que foram devidamente autorizadas. As aqui publicadas foram tiradas por Rosilene Maria da Silva Gaio e estão em sua dissertação de Mestrado, por mim orientada. A menina dançarina foi retirada da internet. Muito expressiva, não é?!

Brincar é coisa séria, e muito prazerosa!

Olá, educadores!!!
Infelizmente, ainda se ouve muito, especialmente por parte dos pais, a afirmação de que escola não é para brincar, mas para estudar, para aprender. “Pra brincar, brinca em casa!”. Mas será que brinca? Será que é a mesma coisa? E os amiguinhos, e as trocas, e o estímulo precioso da professora? Será que em casa não fica grudado na televisão ou nos jogos eletrônicos? E, muitas vezes, os professores são cobrados pelos responsáveis: ” Mas hoje teve muita brincadeira e pouco trabalhinho!”. Pior de tudo: na Educação Infantil, quando é importante que habilidades básicas sejam trabalhadas para uma fase posterior em que há um predomínio cognitivo.

João Batista Freire observa que parece que somente as cabecinhas das crianças são matriculadas na escola, que o corpo fica do lado de fora. Na maioria das vezes, valoriza-se muito o intelecto, que se empanturra, enquanto as outras dimensões (afetiva, motora e social) sofrem de inanição. Analisemos esta questão com todo carinho que ela merece. Não é apenas a mente que aprende como mostram os estudos do neurocientista António Damásio, que comprovam que o ser humano é um todo indivisível. O corpo permite não apenas a manutenção da vida, mas também o funcionamento da mente normal. Quando investimos na visão de totalidade do ser, ou seja, na corporeidade, estamos investindo em um processo mais rico de ensino e aprendizagem da criança, estamos ampliando possibilidades da criação de diálogos com sua realidade, com a sociedade, lhe oportunizando descobertas, reflexões, estabelecimento de relações entre conceitos e com pessoas a partir das experiências vivenciadas.

Os estudos de Henri Wallon e Lev Vygotsky, grandes e conhecidos estudiosos da criança, apontam que brincar é fundamental ao seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Vygotsky afirma que brincar é uma atividade humana criadora, em que imaginação, fantasia e realidade interagem para que a criança formule novas possibilidades de interpretar seu entorno, se expressar, agir e interagir. Wallon aponta que, quando a criança se movimenta, explorando seu corpo, suas possibilidades de ação, também explora sua atividade psíquica, pois não somos formados por partes dissociadas, somos uma totalidade em movimento. Afirma, ainda, que a inteligência e o movimento mantêm estreita relação. As brincadeiras são uma possibilidade de lidar com as situações novas ou ainda não compreendidas em nível mental, possibilidade de ordenar e fixar as ideias.

As brincadeiras e os jogos, que são parte importante das atividades lúdicas, possibilitam que as crianças trabalhem com a perda e o ganho, com frustrações (afinal nem todas podem ganhar e nem todas podem ser a princesa do faz de conta), com o subjetivo e o objetivo, a fantasia e a realidade, pois as brincadeiras recriam a vida, trazem a vivência do que precisa ser entendido como ir ao dentista ou ao médico, tomar injeção, seguir e respeitar regras, ou mesmo elaborar questões mais difíceis como as perdas (uma morte na família, a separação dos pais, uma mudança brusca na situação financeira, afastamento do pai para trabalhar em outra cidade, entre muitas outras). Vi, certa vez, um menininho, cujos pais estavam se separando, brincando de casinha. Ele era o pai da história e explicava a outras crianças que faziam o papel de filhos que ia sair de casa, mas que não deixaria de ver seus filhos, pois os amava muito. Na verdade, a brincadeira era a forma de o menininho entender o que estava acontecendo, e também de dizer para si mesmo que era amado. Enfim, estava metabolizando a perda, lidando com dados objetivos, mas trabalhando subjetivamente com eles.

Quando brinca, a criança pode interagir melhor com suas emoções, com seu próprio corpo, com situações novas e inesperadas que surgem nas brincadeiras, com a sua realidade, com dificuldades que podem ser experimentadas em um clima de confiança (pois ela sabe que o que vivencia é fantasia, embora a viva com inteireza). Desta forma, ela aprende a buscar meios de se adaptar a novas situações, a tomar decisões e ter iniciativa, favorecendo sua autonomia, flexibilidade e criatividade. Mesmo quando brinca com super-heróis (e vivi esta experiência brincando com meu neto), estes se “humanizam” nas brincadeiras e situações do dia a dia da criança são transferidas para os “super”, que se despem de seus grandes poderes de vez em quando.

A fantasia e a criatividade, que são muito estimuladas nas brincadeiras, assim como a flexibilidade e a maleabilidade do universo lúdico, permitem que os pequenos as explorem de formas variadas. E, nestes momentos, a presença dos educadores é muito importante, não para dizer o que as crianças devem ou não fazer, mas para acompanhá-las em suas incursões imaginativas, para permitir-lhes material e tempo que as ajude a criar. Também os educadores precisam desenvolver sua própria flexibilidade para aproveitar toda a riqueza desses momentos que são de nutrição emocional e desenvolvimento mental, momentos de muita aprendizagem.

Alguns mitos foram criados em torno da ludicidade, crenças errôneas que interferem na experiência lúdica. Vamos ver três que detecto facilmente quando converso com educadores.

soltando a imaginação

O primeiro é que brincar é perda de tempo, que a criança está na escola para aprender. Creio que este não necessita de novos comentários. Vale só repetir que brincar traz aprendizagem motora, emocional, intelectual e social.

O segundo mito é que brincar gera bagunça e barulho. Dependendo da brincadeira, não podemos negar que isso é verdade, mas há muitas formas de brincar em situações em que temos pouco espaço e que não permitem maior agitação. A foto ao lado traz um bom exemplo. Na sala de aula, podem ser criados cantinhos (o do faz de conta, o dos jogos de encaixe e/ou dos bloquinhos de construção, o tapetinho da leitura, …) ou mesinhas agrupadas que permitem muitas atividades. Falaremos disso com mais detalhes em novos artigos. Mas, também é importante que as crianças tenham movimentos mais amplos, o que trabalharemos no próximo texto.

O terceiro mito é que lugar de brincadeira é no recreio ou nas aulas de Educação Física. Mas a criança tem, geralmente, cinquenta minutos de Educação Física, uma vez por semana. Isso é suficiente? Todas as atividades aqui citadas devem acontecer no pátio? Claro que não! O recreio é um caso mais discutível ainda. São vinte minutos para merendar, ir ao banheiro e brincar. Dá tempo de brincar? Já ouvi muitas histórias nos estágios e nos encontros com meus orientandos de que as crianças deixavam de merendar, de beber água e de ir ao banheiro para não perder o tempo que adoram. E (é óbvio!) pediam pra fazer isso quando estavam na sala de aula. Ah! Ainda temos a proibição de brincar no recreio ou fazer Educação Física como castigo, porque a criança estava muito agitada na sala de aula. E vai ficar mais ainda, porque a necessidade fundamental de a criança se mover não foi satisfeita.

Em nosso próximo artigo, na semana que vem, vamos saber mais da importância do movimento para a criança e algumas opções viáveis para trabalhá-lo. Se vocês tiverem alguma dúvida, mandem sua mensagem, pois poderei lhes responder no próximo artigo e (quem sabe?) tirar a mesma dúvida de outros educadores; ou lhes responder diretamente, se for mais apropriado. Boa leitura e até lá!!!
Agradeço muito a contribuição das fotos que foram devidamente autorizadas. As aqui publicadas foram tiradas por Rosilene Maria da Silva Gaio e estão em sua dissertação de Mestrado, por mim orientada. Quer aprofundar mais o assunto?

menino_palyground - Ludicidade
Ludicidade: vida, cores, alegria e aprendizagem

Olá, educadores!!!

No artigo postado na última segunda-feira, dia 27 de junho, trouxe o conceito de corporeidade, que integra as dimensões cognitiva, afetiva, motora, social e espiritual do ser humano. Chamei a atenção para a importância desta visão de integralidade ao trabalharmos com a criança e para o fato de que há muitas formas prazerosas de trabalhar sua corporeidade.

É através do corpo, do movimento e dos sentidos que a criança percebe o mundo que a cerca, com ele interage e o transforma. O que é experienciado é imediatamente assimilado, o que é vivido é mais bem apreendido e aprendido. No entanto, têm sido impostas à criança uma imobilidade que contraria suas necessidades fundamentais e atividades pouco ou nada significativas para sua experiência pessoal que, muitas vezes, seguem rotinas rígidas e repetitivas que não possibilitam o desenvolvimento de sua autonomia, criatividade e expressividade. Os espaços são inadequados, muitas vezes, ocupados por mesinhas e cadeiras, que tolhem as atividades motoras da criança, reduzem seu campo de experiências e reprimem a expressão natural de suas emoções. Esta “repressão” acaba por entorpecer as sensações, enrijecer movimentos, limitar a expressividade, gerando desajeitamento, desconfiança, e mesmo timidez e insegurança, que podem acompanhá-la na adolescência e idade adulta.

As muitas pesquisas que orientei de mestrado, iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso (TCC) e outras tantas que li, além do acompanhamento de estágios, mostram que isso é muito mais comum do que imaginamos, e que é preciso insistir nessa questão, pois nossas crianças de hoje serão os adultos de amanhã.  E é mais que desejável que se tornem adultos que além de usarem a cabeça, saibam lidar com suas emoções e com seu corpo, enfim, que sejam pessoas felizes consigo mesmas e que saibam se relacionar adequadamente.

Aí, vocês podem me dizer: mas vai virar bagunça todo mundo se movimentando!!! Como vou controlar as crianças??? Calma! Existem muitas possibilidades e podemos escolher o que mais se adeque ao local e ao momento. Uma das possibilidades de trabalhar a corporeidade da criança, permitindo-lhe sentir, pensar e agir em contato com outras crianças e com os adultos se dá através da ludicidade. Quando se fala de atividades lúdicas, a primeira ideia que nos vem é de jogos e brincadeiras. E, sim, estes estão aí incluídos. Mas tais atividades apresentam muitas outras opções. Segundo estudos mais recentes, a visão de ludicidade é bem mais ampla, e é esta visão, da qual compartilho, que desejo trazer para vocês. A ludicidade tem características essenciais que explicam tal amplitude conceitual.  Pode-se citar como mais significativas:

 
a) Cognição, motricidade e afetividade se unem na atividade;
 
b) Na atividade lúdica, a criança desfruta plenamente o momento presente, ou seja, o aqui-agora, sem preocupações com resultados ou com recompensas. Não há um fim para a realização das atividades, a finalidade é a própria vivência lúdica;
 
c) A ludicidade se relaciona à ideia de prazer e não de obrigação; há entrega à atividade;
 
d) O sonho, a fantasia, a imaginação e a criatividade têm livre acesso e podem se manifestar à vontade.

Se observarmos as características acima, podemos perceber que além de brincadeiras e jogos, atividades artísticas como cantar, dançar, utilizar uma das muitas expressões dos jogos teatrais, recortar e colar, colorir, pintar, modelar massinha, construir fantoches; brincadeiras cantadas, contar e ouvir histórias; atividades de sensibilização e respiração, além de muitas outras, são lúdicas. Entretanto, mais importante do que o tipo de atividade proposta é a maneira como é apresentada e orientada para que possa permitir entrega e envolvimento, para que cada um se expresse com liberdade e sem rótulos (isso é/não é bonito, por exemplo).

Nas sociedades capitalistas, em que “tempo é dinheiro”, as atividades lúdicas são consideradas irrelevantes ou de pouco valor, sendo colocadas, com bastante frequência, em oposição a trabalho “sério” e vinculadas à ideia de passatempo. E podemos notar isso quando a professora deixa a criança brincar quando faltam dez a quinze minutos para terminar a aula ou como prêmio para quem ficar bem quietinho e não atrapalhar. No entanto, BRINCAR É COISA SÉRIA! Brincar é possibilitar à criança crescimento pessoal e social.

Como consequência da preocupação de preparar a criança para o futuro, a ludicidade vem perdendo seu espaço na infância, o que pode ser observado com a preocupação de professores que, sabendo da importância do lúdico para a criança, sugerem apenas atividades que sejam pretexto para o ensino de determinados assuntos. Não que isso não possa ser feito, claro que sim! Aprender de forma agradável é sempre bom.  Entretanto, se há preocupação excessiva do professor em utilizar a ludicidade com o objetivo de apenas “transmitir” determinado conhecimento, atividades que poderiam ser prazerosas se tornam exercícios estéreis e sem sentido para o professor e, mais ainda, para as crianças. E podem ter a certeza de que qualquer atividade lúdica traz aprendizagem, e não é pouca!!!

Em nosso próximo artigo, na semana que vem, vamos saber mais da importância da ludicidade para a criança e dos mitos que foram criados sobre isso. Se vocês tiverem alguma dúvida, mandem sua mensagem, pois poderei lhes responder no próximo artigo e (quem sabe?) tirar a mesma dúvida de outros educadores; ou lhes responder diretamente, se for mais apropriado. Boa leitura e até lá!!!

Corporeidade. O que é isso?

Olá, educadores!

 

Na primeira postagem, anunciei que iria iniciar falando de corporeidade, e adiantei que não é a mesma coisa que corpo. Mas, afinal, o que é corporeidade, este conceito que tem um significado tal que precisa ser discutido para que se entendam necessidades fundamentais da criança (e do adulto também)?

Corpo todos nós sabemos o que é, nossa estrutura que tem músculos, ossos, cartilagens, veias, artérias, que guarda os diversos órgãos, e muito mais. A fisiologia do movimento, a anatomia e a biologia são algumas das áreas que se dedicam ao estudo do corpo. Quem não se lembra das aulas de Ciências e Biologia que nos obrigavam a decorar muitos nomes que nos deixavam enlouquecidos nas vésperas das provas?

Corporeidade é um conceito relativamente novo que foi trazido pelo filósofo francês Merleau-Ponty, no século passado. Este conceito começa a ganhar maior amplitude em outras áreas com os estudos que outros autores passam a desenvolver e difundir.  Somente no final do século XX e início do atual, ele chega às universidades brasileiras e aos cursos de Pedagogia e Educação Física com maior abrangência. E ele engloba não só o corpo e o movimento, ou seja, a motricidade, mas também a afetividade (que não tem necessariamente relação com afeto ou carinho, pois envolve a grande variedade de emoções, sentimentos e paixões que nos afetam). Envolve ainda a racionalidade e as relações estabelecidas pelo ser com seu meio sociocultural . Além das dimensões motora, afetiva, intelectual e social, a corporeidade inclui ainda a dimensão espiritual do ser humano.

É importante que abramos parêntesis aqui: é preciso entender que espiritualidade não tem nenhuma relação com religiões, embora, possamos dizer que, de modo geral, as religiões objetivam desenvolver o lado espiritual do ser. Quando se fala da dimensão espiritual da corporeidade, fala-se daquilo que vai além de necessidades materiais ou físicas, de necessidades mais profundas do ser humano que o ajudam a tornar-se uma pessoa melhor, como o cuidado com o outro, com seu meio e consigo mesmo, a solidariedade, o respeito, o compromisso e a amorosidade. Voltaremos a essa questão daqui a um tempo, uma vez que é a falta desses atributos um grande gerador do preconceito, do vandalismo, da violência, entre outros danos que as sociedades têm vivenciado.

A criança, que é nosso foco aqui (mas, também, pessoas de qualquer idade), para seu desenvolvimento equilibrado, precisa ser vista como alguém que pensa, sente, se movimenta e está vinculada a seu meio sociocultural. Infelizmente e com muita frequência, a educação cerceia o movimento e a expressão, como se estes atrapalhassem o desenvolvimento da criança.  No entanto, o movimento é condição fundamental para a construção do seu conhecimento, para o processo de conhecimento de si mesma e de diferenciação do outro, enfim, de sua constituição como sujeito. Claro que não é admissível ou desejável que a criança não tenha limites. Não se pode deixar que ela suba na mesa, se pendure nas cortinas ou no ventilador (se a sala os tiver). Limites são necessários e as regras ou os famosos combinados são importantíssimos. Entretanto, mobilidade e inteligência são inseparáveis, pois é através do movimento que o pensamento se estrutura e que as emoções se organizam. Se observarmos uma criança que começa a descobrir o mundo por volta dos nove meses, podemos comprovar a importância de experimentar suas possibilidades, segurar tudo, experimentar formas diferentes de usar os objetos, de explorar tudo que é novo. Mais adiante, ela vai experimentar suas possibilidades de movimento, de ocupar espaços, de subir, de descer, enfim, ela vai, através da exploração pelo movimento, conhecer o seu entorno e seu próprio corpo. Observe, também, como a criança fala com o corpo inteiro quando expressa suas emoções, quando conta o que viu que a encantou, ou narra uma história que ouviu. Os gestos e os movimentos são complementos essenciais. “É muito grande” sempre vem acompanhado de mãos e braços que se abrem, o não quero, por braços que se cruzam na frente do corpo ou por um dar as costas, e, com certeza, você que lê o texto já se lembrou de muitos outros exemplos. E os gestos vão expressar também o que é culturalmente vivenciado por essa criança. E aqui já vale uma observação: se quando os responsáveis pela criança baterem nela quando sua atitude os desagradar, é claro que ela vai fazer isso com o coleguinha ou até com o professor que o deixar aborrecido. Maus hábitos são aprendidos, mas os bons também!!! O importante, especialmente para professores, é lembrar que nosso corpo expressa o que vivemos, e que não devemos julgar a criança como má por isso. Neste caso, castigos e “isolamento” não resolvem! Um bom papo, a atenção e carinho podem ajudar muito mais.

Quando se fala de uma educação integral ou da integralidade do ser, estamos falando de corporeidade. No próximo post, vamos continuar esta história, e saber o que se pode fazer para trabalhar a corporeidade da criança. Já adianto que há formas muito prazerosas de fazer isso para crianças e educadores. Até lá!!!

Na página abaixo, se desejar, você encontrará uma visão mais aprofundada desta postagem e das duas que virão a seguir. Boa leitura!!

http://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/9225

Educador OlaPais - Palo Tecnology
BEM-VINDO!

Este espaço tem por finalidade travar uma conversa entre educadores, que podem ser os professores, os pais, ou aqueles que cuidam dos nossos pequenos e têm a tarefa de orientá-los no dia a dia, seja na escola, em casa ou em outros locais. A ideia é trazer pequenos textos, porque o tempo é sempre corrido; mas todos nós que trabalhamos com a criança sabemos da importância de conhecer um pouco mais os desafios de nossa tarefa.  Também a simplicidade, nestes casos, é muito valiosa. Embora sempre vá sugerir outras leituras para quem deseje saber mais e aprofundar o assunto trazido, a objetividade nos permite entrar em contato com os temas e poder escolher o que nos desperta maior atenção ou interesse. Afinal, não desejo complicar, mas não quero ser simplista, pois as questões que dizem respeito à criança são de extrema importância, pois, nesta fase da vida, estamos trabalhando as bases para o restante dela. Crianças felizes se tornam adultos que lidam melhor com as dificuldades da adolescência ou da fase adulta. Crianças que desenvolvem de forma adequada aspectos mentais, emocionais e corporais se tornam adultos mais inteiros, que aprendem a valorizar-se e a considerar positivamente tais aspectos.

Nossa educação está pautada prioritariamente no trabalho mental, e não é difícil encontrarmos adultos com um grande desenvolvimento do intelecto, mas com uma grande imaturidade emocional e sérias dificuldades corporais. É só olhar em volta que você vai encontrar muitos exemplos disso. Saber lidar com as próprias emoções é um dos grandes investimentos que precisam ser considerados tanto na escola quanto em família. E sabe qual a melhor notícia? Não é tão difícil estimular este ganho quando a criança ainda se encontra na educação infantil ou nas primeiras séries do ensino fundamental. Quer saber mais? Vamos chegar lá logo, logo. Antes disso, na próxima postagem, vamos falar um pouco mais desta ideia de integralidade do ser humano ou CORPOREIDADE, que já aviso que não é a mesma coisa que CORPO.

Nesta primeira postagem, a intenção foi lhe dar as boas vindas, falar de nossas postagens e lhe colocar água na boca. Até a próxima!!!