Ainda sobre a autoestima da criança

Como vimos no último post, as bases da autoestima são construídas durante a infância através das relações estabelecidas, no dia a dia, entre a criança e aqueles que têm papel importante em sua vida. É, nesse processo, que ela incorpora valores, crenças, normas de conduta, hábitos que levará pela vida. As crianças precisam da aceitação e do afeto dos educadores e daqueles que lhes são importantes para desenvolverem a autoestima positiva, mas necessita, também, ter limites claros e regras a seguir, bem como a constante busca do equilíbrio para que lhe seja oferecido amor incondicional acompanhado de critérios bem definidos para dentro e fora da família e na escola.

A autoestima positiva na infância repercutirá ao longo da vida, permitindo ao indivíduo manter uma imagem constante e positiva de seu potencial, ter maior facilidade em assumir papéis sociais, ser criativo, expressar as próprias ideias e ter maiores possibilidades de ser mais bem sucedido nos estudos e profissionalmente, determinando a maneira de lidar com sua vida, de como se sentir em relação a si mesmo e a seu valor. A primeira infância (de 0 a 6 anos) é uma fase decisiva para que a criança desenvolva sua capacidade de gostar de si mesma e do outro, de confiar em si e em outras pessoas, de respeitar e ser respeitada, o que lhe permitirá desenvolver segurança interna e lidar melhor com dificuldades e frustrações. E isso é válido também para a vida escolar.

Gosto muito de dizer, por acreditar nisto, que não é a quantidade do tempo que dedicamos a nossos filhos que é o mais importante,P1020575 mas sim a qualidade deste tempo. Momentos em família são muito importantes, bem como o que fazemos neste tempo. Menos pode ser mais: que adianta, responder automaticamente à criança sem tirar os olhos do celular ou da televisão por horas a fio? Escutá-la é fundamental. Não basta um “hum-hum”, sem ouvir de fato o que dizem.

E não se preocupe com perfeição, educadores e familiares não precisam ser perfeitos (aliás, isto não existe, não é mesmo?!). É importante que estejam atentos, que sejam sensíveis, amorosos, que dialoguem com os pequenos, ouçam o que sentem e o que pensam, de forma que se sintam acolhidos e protegidos, compreendidos e orientados. Importante, também, que os educadores se habituem a pedir desculpas quando se equivocarem com a criança, se deram gritos por estarem cansados ou tensos, ou se a criança esqueceu alguma coisa… Assim, a criança crescerá sabendo que não precisa ser perfeita, mas que deve desculpas se algo não aconteceu como deveria.

Em seu livro Brincar e Amar – Fundamentos esquecidos do humano, Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöller são enfáticos ao observar que o que possibilita à criança crescer com autoaceitação, autorespeito e aceitar o outro (fundamental para nós que somos seres sociais) é a “consciência operacional” de sua corporeidade, o que acontece quando a criança brinca com seu pai ou sua mãe, quando se veem, se escutam, se tocam com entrega e confiança.

Para os autores, brincar é estar atento ao que se faz no aqui-agora, sem preocupação com o futuro, é entregar-se ao momento. A aceitação mútua só ocorre sob a aceitação amorosa. O oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença, que não permite os encontros e nem que permaneçamos unidos. A criança requer, para seu crescer equilibrado, a relação amorosa entre ela, sua mãe e demais membros da família, fundamental para seu desenvolvimento fisiológico, corporal, sensorial e da consciência individual e social.

Comendo sozinhaQuando a criança aprende a gostar de si mesma e a acreditar que é capaz, ela se sente mais segura para lidar com os percalços naturais da vida e buscar soluções para situações novas, sentindo-se mais encorajada a tomar iniciativas e buscar saídas. Quem se sente bem consigo mesmo tem mais facilidade de se sentir de bem com a vida. A criança aprende com suas tentativas, com os erros, ela vai percebendo que precisa repetir e repetir até ganhar autonomia. Isso acontece todo o tempo, com coisas mais simples ou mais complexas. Quem já viu uma criança tentando montar um quebra-cabeça, amarrar o cadarço, abotoar a camisa ou comer sozinha sabe que são processos e que estes precisam ser estimulados para que ela possa ganhar confiança e vencer desafios. Se alguém corre e faz por ela porque sempre tem pressa, como vai aprender a fazer sozinha? Estimule-a, dê uma ajudinha, mas deixe-a tentar e ir ganhando autonomia. E não se esqueça de elogiar suas vitórias e conquistas.

A psicóloga Violet Oaklander, em seu livro Descobrindo Crianças, observa que nem sempre as crianças têm consciência de que não se sentem bem em relação a si mesmas, entretanto podem perceber que alguma coisa está errada. Ela aponta formas mais comuns com que a criança pode manifestar a baixa autoestima: viver choramingando, se vangloriando ou se desculpando; sempre ficar na defensiva, querer vencer e trapacear nos jogos; apresentar atitudes antissociais; sempre procurar chamar atenção dos outros com palhaçadas ou fazendo-se de boba; ser muito crítica em relação a si própria; sentir-se incapaz de fazer escolhas e tomar decisões; ter sempre desculpas para tudo, culpar os outros pelos próprios erros; ser retraída ou tímida em excesso; ter medo de experimentar coisas novas e ser muito desconfiada; estar sempre querendo agradar os outros; comer em excesso; nunca dizer “não”.

A criança passa por muitas fases e pode estar mais estressada com situações que ocorrem a sua volta, tendo atitudes incomuns.IMG-20160206-WA0003 Isso é natural! Mas vale ficar atento caso tais comportamentos sejam muito persistentes. Na escola não é diferente, estes comportamentos também se manifestam. É muito comum que as crianças assumam determinadas atitudes para chamar a atenção da professora e dos coleguinhas para si porque se sentem rejeitadas, e uma delas é fazer gracinhas todo o tempo. Costumava pedir-lhes ajuda, elogiar algo merecido, conversar…: “você pode recolher os trabalhos pra mim?”,  “Pode me ajudar a apagar o quadro?”, “Cortou o cabelo, eu gostei!”… Isso os fazia se sentirem valorizados e a sua agitação diminuía.

Algumas situações familiares são consideradas por alguns autores como um grande risco, podendo ocasionar a baixa autoestima infantil: ambientes em que os conflitos sejam constantes; pais e outros responsáveis pela criança que a encarem como um peso a carregar, que a tratem de forma desatenta e negligente; famílias em que não há normas estabelecidas ou em que as regras não são consideradas ou levadas a sério; famílias em que as punições são constantes e se manifestem através da força e de posturas excessivamente autoritárias. Considero que tais situações também se reproduzem na escola e que, também lá, podem gerar a baixa autoestima. Vale lembrar que não é o autoritarismo que gera respeito, muito menos a violência. Geram, sim, medo.

Oaklander aponta ainda que a sociedade pode ser causadora de um baixo senso de valor próprio através das várias formas de discriminação: com os gordinhos, os muito magros, os negros, os pobres, os pouco atraentes, pertencentes a minorias… Parece-me, nestes casos, que a família e os professores precisam ser mais cuidadosos, aquela para manter permanente diálogo e estes para estimular a inclusão ao invés de fomentá-la. Um dos mais tristes relatos que escutei de uma aluna da Pedagogia foi o comentário da professora com ela na frente de um aluno com dificuldades na sala onde estagiava: “Não se preocupe com este aqui não. Ele não aprende mesmo, é muito limitado”. Comentários desumanos como este podem destruir a autoestima de uma criança e marcá-la profundamente. Este tipo de violência, que não é física, mas psicológica, também pode afetar o seu equilíbrio emocional. Ressalto que a violência psicológica, muito mais presente em casos de bullying, não é menos dolorosa e grave que a violência física.

Não perca as chances de parabenizar suas crianças quando elas superarem dificuldades, tiverem acertos, conseguirem realizar algo que lhes era difícil. Este sentimento de conseguir realizar algo reforça a sua autoestima. E se ainda não conseguiu, não a critique; se ela fez algo que não deveria, diga-lhe que não gostou de sua atitude, mas nunca diga que não gosta mais dela. O que merece desaprovação não é a criança, mas o seu comportamento.

Se a criança se sentir amada e acolhida, se houver a escuta do que tem a dizer, o respeito a sua forma de pensar e sentir, mesmo que receba repreensões justas, na adolescência, terá menos chances de buscar fora de casa formas de se sentir especial e ser aceita, de se envolver com os desajustes da nossa sociedade.

As fotos são do meu arquivo pessoal.

Seus comentários, perguntas e sugestões são sempre bem-vindos. Deixe-os no espaço abaixo e responderei assim que possível. Grande abraço e até a próxima!

Author

Lucia Helena Pena Pereira é pedagoga e doutora em Educação. Atua com palestras e oficinas para professores da Educação Infantil, compartilhando a experiência adquirida em pesquisas e em sala de aula na Educação Básica e no Ensino Superior.